Liberdade, essa ilusão

Os meios de comunicação nada sabem sobre o presidiário

por Luiz Alberto Mendes em

Sobre o homem preso e acerca do egresso da prisão, não se tem nenhum conhecimento que resista ao questionamento mínimo. Há um espaço que a mídia busca preencher com uma coleção de preconceitos e opiniões sem fundamentos. Os meios de comunicação nada sabem do presidiário mesmo. O pior é que sequer se preocupam em compreender, já que nada lhes é exigido. Um precipício de óleo escorregadio e espesso, onde vivem intraduzíveis interesses e desinteresses.

Fora da prisão, os que se arrogam em conhecedores não sabem nada. Aos prisioneiros não é dado falar porque, segundo aqueles que manipulam o saber, não têm moral para dizer. Essa é uma minoria social cuja dinâmica está por ser explicada. Justamente por conta disso, a questão da reinserção social do sujeito egresso da prisão está prejudicada. Em consequência, o índice de reincidência criminal torna-se exageradamente alto.

Além dos problemas de origem puramente social e familiar, existem aqueles de natureza psicológica. Entre diversos outros, destaco alguns que considero de maior importância.

O espaço de tempo em que o indivíduo é preso está grafado em sua mente como seu referencial cultural, histórico e social. No mundo lá fora da prisão, tudo muda e se transforma. A estrutura de suas lembranças, unida ao rico imaginário de quem só pode imaginar, torna-se uma ficção totalmente divorciada da realidade.

Quando sai da prisão, possui essa coleção de dados fragmentados e minados pela irrealidade como verdade. E com ela vai enfrentar uma realidade que nada tem a ver com o conteúdo acumulado em anos de prisão. Defasado no tempo e no espaço, terá dificuldades incalculáveis em sua reintegração social.

Sua história na prisão desenvolve-se num ambiente hostil e violento por excelência. Se quiser ter direito a algum benefício jurídico, ser libertado antes do tempo a que foi condenado, terá que pisar em ovos. Tudo lhe será proibido.

Ao tempo em que tudo lhe será permitido, caso queira pagar o preço. A brutalidade, a ignorância e a estupidez farão parte de sua rotina diária. Será necessário tremendo jogo de cintura para se desviar dos descontrolados e inconsequentes.

A vida é um artigo barato dentro da prisão. Para mantê-la incólume será preciso enxergar o perigo em seu nascedouro. Naturalmente criará um tipo de psicologia de impacto para detectar as possibilidades de cada aproximação. Vive-se qual jogasse xadrez. Buscando estar sempre duas a três jogadas à frente dos adversários.

Em liberdade, relacionando-se socialmente, vai se sentir com cem anos e os outros com cinco anos de idade. Desenvolveu malícia, capacidade para detectar perigos e maldades em cada gesto ou palavra. Os outros, inocentes e ingênuos, de algum modo, distanciam-se dele. Sente-se diferente das pessoas que o cercam. O que os motivam, para ele, são infantilidades, futilidades.

Na prisão não se pode aceitar nenhum tipo de agressão física ou moral sem oferecer revide de igual ou maior monta. Tudo incide no conceito que o indivíduo conquista a duras penas. Dignidade é tudo o que se tem na prisão. Se não reagir, perde conceito e ficará nu, diante de toda comunidade carcerária. O que significa estar indefeso diante de quem busque abusar de si.

Há ainda a figura do guarda de presídio. Caso queira reconquistar a liberdade, deve abaixar a cabeça, colocar as mãos para trás e humilhar-se diante do funcionário. Tudo é muito triste e sempre pende algo dos olhos. A boca amarga e a respiração ofegam.
O ex-presidiário possui dificuldades quase intransponíveis de aceitar que alguém o desafie ou destrate.

Como admitir que, após tantos anos de sofrimento, suportando funcionários e outros presos, alguém venha maltratá-lo ou humilhá-lo novamente? Se não puder reagir, vai se sentir preso, engolindo o boi pelo chifre. Que liberdade é essa que continuam abusando de si? É o que lhe perguntará a mente turbilhonada.

O egresso sofrerá demasiadamente, se for obrigado a trabalhar em ambiente fechado. Faltará até a respiração. Precisará de espaço, de ar, da vida estuante e extensiva. Somente assim poderá sentir-se livre para encontrar a paz, que é toda sua necessidade. As adversidades econômicas o abalarão fortemente. Automaticamente sua mente o fará voltar à miséria da prisão. A revolta será consequência natural. Sentirá a tão sonhada liberdade, uma ilusão.

Viveu anos aspirando ser livre e, quando se desilude, estará a um passo de reincidência. São esses alguns dos inúmeros problemas com as quais se defrontará o egresso. Os responsáveis pelo gerenciamento social sequer desconfiam disso. Acreditam que o que imaginam acerca do preso e do egresso seja verdade. Não precisa ser comparado com a realidade. Preferem criar prisões e lotá-las, a produzirem planos de reinserção social para os que saem.

Prisão já se provou incapaz de resolver o problema para o qual foi criada. O preso, de agressor, passa a vítima de um sistema social viciado, que o enterra vivo e sem esperança. Seu sonho de ser livre e encontrar a felicidade já nasce morto. Os problemas são as pedras do caminho. E nós, puxa, tropeçamos nas soluções, sem percebê-las.

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