Leitor público I
Nosso colunista aprende a ler para crianças e constata que o livro infantil que se faz hoje no Brasil é da mais elevada qualidade
Batem as asas de pano, restos de flores que a chuva noturna trouxe pelas guias no asfalto. Ainda não conseguem me fazem dormir. Meu pesado coração deixou a mente tão cansada de imagens que não consigo, não consigo dormir...
Os países de primeiro mundo investem pesado na educação e na cultura. O Canadá, por exemplo, apesar do forte investimento, em estudo realizado pelo Conselho Canadense de Aprendizagem, revela haver um número alarmante de canadenses com dificuldades para ler jornais e até cardápios de restaurantes. E, pasmem, o Canadá é um dos países com melhor nível de leitura do mundo. O mesmo estudo prevê que, em menos de 20 anos, cerca de metade da população daquele país vai ter dificuldades para ler e escrever. A situação não é diversa em outros países. Tende a ser muito pior.
Especialistas como Maria Betania Ferreira, da Pingo é Letra receitam leitura desde a gravidez. Explicam a gênese: depois de muitos tropeços e tombos, aprendemos a andar. Ganhamos o direito de caminhar pelo mundo, ver por nós mesmos. Em seguida, mergulhados no mar de palavras, sons sem pé nem cabeça, ensaio e investigação aberta, falamos pela primeira vez. Ganhamos o direito de contar o que nos vai por dentro, como sentimos a vida e o mundo. E, depois de muito observar, aprendemos a ler. A duras penas, caso ninguém tenha se preocupado em nos fazer brincar com as palavras; com prazer, se temos quem nos facilite lendo em voz alta, oferecendo livros e exemplificando desde pequenos.
Semana passada fui aluno de uma oficina que nos ensinava a “brincar de ler”, produzida pelo Instituto Ecofuturo e ministrada pela fonoaudióloga Lucila Pastorello. A finalidade era aprender a ler para crianças. Cada um dos alunos faria uma apresentação em algum canto de São Paulo, a partir daquele aprendizado, no dia 12 de outubro, Dia das Crianças e, não coincidentemente, Dia da Leitura, que agora virou lei estadual e, felizmente, esta em vias de se tornar nacional. A mim cabia fazer leituras, animação e oferecer livros para crianças na comunidade do Jardim Panorama.
Quando a criança é levada em consideração, lhe é dada oportunidade de reforçar seu entusiasmo e sua atenção à leitura, os resultados são de excelência no aprendizado. E os pais têm um grande aliado. O livro infantil que se faz hoje no país é da mais elevada qualidade, aprendi na oficina. Belíssimos, criativos e fascinantes até para nós, metidos a adultos. Às vezes me perco por horas, mergulhado nesse mundo mágico que é a literatura infantil.
Hoje existem livros para bebês, para lamber, torcer, bater e jogar longe que não estraga. Livros completamente interativos, em várias dimensões, com figuras saltando de dentro, sons e pêlos de animais para o tato. Livros de poesia com ilustrações verdadeiramente artísticas, próprias para a leitura imagética infantil. Outros de grande inteligência que impressiona a nós adultos, mas que a criança percebe num estalo e sabe instintivamente.
Termina aqui a primeira parte do texto.
*LUIZ ALBERTO MENDES, 56, autor de Memórias de um sobrevivente, passou 31 anos e 10 meses na prisão e está mais preparado para o fim do mundo que a maioria de nós. Seu e-mail é lmendes@trip.com.br