Laje é melhor que varanda

JR Duran reflete sobre a diferença entre a laje e as varandas envidraçadas da classe média

por J.R.Duran em

Fui convidado para um churrasco em uma laje. Aceitei e não me arrependi. Me diverti, mais ainda, vendo os outros se divertindo. Não dá pra não me contagiar com a felicidade alheia, seja qual for o estado em que me encontre. E onde tem churrasquinho tem cerveja, e onde tem cerveja e churrasquinho tem pagode. Foram feitos um para o outro (gosto de pagode, azar de quem não gosta). O que ficou na lembrança é uma tarde repleta de sorrisos, música, sol, moças com shorts apertados e o privilégio de contemplar a cidade do Rio de Janeiro, desde um ângulo único, espremida entre a beira do mar e a lagoa Rodrigo de Freitas. De certa maneira foi uma espécie de redescobrimento da cidade. Visto de cima, o trânsito flui melhor e tudo parece mais ordenado, como em um gigantesco jogo de Lego em que tudo dá certo. Curiosa era a visão dos prédios residenciais que, em comparação com a sensação de liberdade da laje, pareciam ter se transformado em torres de marfim fechadas em um universo interior.

Dias depois, ao abrir o jornal de fim de semana, descubro que em São Paulo – não sei como é no Rio de Janeiro –, além da babá sentada na ponta da mesa do almoço de domingo na churrascaria, a classe média alta tem um outro símbolo de status para deitar e rolar: a varanda de apartamento. Durante anos os prédios das cidades foram concebidos para que seus moradores pudessem construir, na sua imaginação, seus castelos. Verdadeiras cidades verticais com salão de festas, ginásio, piscina e todos os outros espaços comunitários que dificilmente vão ser usados. Por uma reviravolta do destino, ou um devaneio do empreendedor, agora o novo rico, além dos seguranças de preto, do cachorro malcriado que caga na grama do vizinho e do celular que se exibe no cinema, pode desfilar, nos fins de semana, na varanda de seu apartamento.

Fecha com vidro
É só dar uma olhada nos empreendimentos que são trombeteados nos anúncios dos jornais. Não tem um apartamento que não possua varanda. Elas foram se incorporando ao modo de vida do paulistano mesmo que raramente se veja alguém em uma delas. Em alguns lançamentos elas têm metragem praticamente igual à da sala de estar. Perguntei para um corretor como os moradores faziam com o barulho das ruas. A resposta foi simples e obtusa: uma vez de posse do lugar, o morador pode fechar a varanda com vidro e ligar o ar-condicionado. Justamente o vidro, o elemento de construção menos indicado para um país como o nosso.

Um detalhe nessas varandas me chama a atenção. O lugar que os sofisticados folhetos denominam com o eufemismo “espaço gourmet” e que se trata de, nem mais nem menos, uma churrasqueira. Varanda, churrasqueira, ar-condicionado e vidro. Para mim a varanda do bacana é hoje em dia, desculpem, o equivalente à laje de quem mora na favela. E “espaço gourmet” é a conexão entre um e outro. A diferença é que no prédio falta o pagode, a diversão. Prefiro a laje.

 

*J. R. Duran, 55, é fotógrafo e escritor. www.twitter.com/jotaerreduran

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