Labuta sertaneja
Prova que marca os dez anos de corridas de aventura no Brasil reúne competidores em lugares marcados pela trajetória de Lampião, com equipes que se organizam de forma semelhante a uma empresa
POR CAIO FERRETTI
“Lampião nasceu em Pernambuco, casou-se com uma baiana e foi morto em Sergipe pela polícia de Alagoas.” Enquanto explicava com forte sotaque nordestino a trajetória daquele que foi considerado o rei do cangaço, a guia turística Denise Ribeiro Santos mal percebeu que tinha acabado de citar de uma só vez todos os Estados por onde passariam os competidores da corrida de aventura Brasil Wild Extreme 2008. E ainda arriscou um palpite. “Lampião poderia ganhar essa corrida, já passou por todos os trechos em que a prova vai passar. Esse é um espaço de aventura histórico, a adrenalina sempre esteve presente por aqui.” O evento comemora duas datas significativas: o aniversário de 10 anos das corridas de aventura no Brasil e de 70 anos da morte de Lampião, completados este ano, fazendo com que história e atualidade se cruzassem por diversas vezes no sertão nordestino durante a prova.
Uma corrida que, para os que olham de fora, é coisa de quem gosta de sofrer. Para os competidores, não é diferente. Talvez isso explique por que as 58 equipes que participaram da prova, no mês passado, vibraram quando o major do exército local disse que eles passariam por uma das regiões mais inóspitas do mundo, o Raso da Catarina, na Bahia. Justamente um dos esconderijos preferidos de Lampião. “Pro cara se esconder lá, é porque não deve ser de fácil acesso”, disse Márcio de Campos Antiquera, capitão da equipe Selva NKS Kailash, em tom de comemoração. “Nada é tão ruim que não possa piorar. No caso, é bom porque é ruim, seria melhor se fosse pior”, completou. Se fosse pior, seria impraticável. Durante as 84 horas em que a equipe de Márcio esteve em atividade para completar em segundo lugar o percurso de 510 km – com canoagem, trekking e bike –, eles tiveram apenas duas horas de sono. A primeira colocada e bicampeã, SOS Mata Atlântica, chegou três horas antes.
À dir., o atleta Mateus Ferraz, da equipe SOS Mata Atlântica, na chegada da Petrolândia, PE; à esq., a equipe Selva caminha para chegar ao início do
Raso da Catarina (BA)
SERTÃO OFFICE
“Durante a prova a gente passa pelas coisas mais inesperadas que você imagina. E a maneira com que a equipe se junta pra resolver isso tem muito a ver com o dia-a-dia de trabalho em uma empresa.” Quando percebeu, em 2003, a relação entre as corridas de aventura e a rotina de trabalho, Márcio não teve dúvidas. Começou a organizar eventos coorporativos com empresas para colocar os funcionários em situações semelhantes às encontradas durante as corridas. “As situações de raciocínio, de liderança e de estresse são muito parecidas com a de um ambiente de trabalho. São os mesmos problemas, mas com uma cara diferente”, explica. Quanto a sua própria “empresa”, a equipe Selva, ele é direto. “Essa funcionou muito bem. Tivemos faturamento semanal grande. Deu lucro”, contabilizou minutos após garantir o vice-campeonato. Isso sim é que é suar a camisa no trabalho.