Invadimos a praia de Obama

O colunista de política da Trip conseguiu se descolar e entrar na faixa na festa da vitória do novo presidente americano em Chicago

por Alê Youssef em

“Make an offer or tell me a good story” (Faça uma oferta ou me conte uma boa história). Isso estava escrito em um dos vários links da Craiglist, que negociavam o convite ao Grant Park, em Chicago, para a festa da vitória de Barack Obama. Só convidados do Partido Democrata poderiam entrar no Hutchinson Field, uma área descampada do parque acostumada a receber grandes eventos – foi lá que acontecera meses antes o megafestival Lolla Palooza. O preço variava entre US$ 1.000 e US$ 2.000. Contei uma história verdadeira: brasileiro, que veio aos EUA para cobrir as eleições para uma revista independente. Engajado em política, ex-coordenador da Juventude da prefeitura de São Paulo que assistiu de muito perto à vitória de Lula, o operário presidente. Bob Lyons, um filiado ao Partido Democrata de Chicago, respondeu 15 min depois: “Gostei da história, me mande links comprovando”. Sem acreditar muito no que estava acontecendo, respondi e recebi de volta: “OK. Encontre-me amanhã [dia da eleição] na esquina das ruas State e Jackson e entramos juntos no parque”.

Depois da correria para arrumar um vôo (estava em Nova York), cheguei à esquina no horário combinado com um baita medo de levar bolo. Bob estava lá. Alívio. Seguimos em direção ao parque, entramos na fila, passamos por checagem de documentos e detectores de metais para, enfim, chegarmos ao Hutchinson Field. Tapinha nas minhas costas e “enjoy”. Bob sumiu na multidão e percebi que estava dentro do local da festa, pertinho do palco, no meio dos eleitores mais próximos de Obama. A imensa maioria no parque era jovem – 35 pra baixo.

Clima de festival de rock feito por gente que participava de sua primeira campanha presidencial e que tinha forte relação com Obama. Imagine aqueles freqüentadores do clube Cavern, em Liverpool, que costumavam bater ponto nos shows semanais dos Beatles, vendo seus amigos se tornarem os maiores do mundo. A trajetória começa com o Rock The Vote, movimento não partidário que usa música, cultura pop e novas tecnologias para incitar os jovens a votar. Promovem festas, concertos, criam anúncios de TV e controlam uma impressionante rede de formadores de opinião. Madonna, Snoop Dogg e Cristina Aguilera, por exemplo, são engajados no movimento que reúne praticamente todos os artistas. Em 2008, o Rock the Vote atingiu sua maior marca: inscreveu no processo eleitoral cerca de 2,5 milhões de jovens. Heather Smith, diretora-executiva do movimento, se tornou figura disputada por políticos e imprensa. Segundo ela, ao contrário do que aconteceu em 2000 e 2004 – quando o voto jovem se dividiu em 50% para cada partido – este ano Obama venceria MacCain com cerca de 80% da preferência jovem.

Engajados

A rua St. Marks Place, em East Village, é uma espécie de Galeria do Rock de Nova York. Freqüentado por punks, metaleiros, hippies, skatistas e malucos em geral, o local é ponto de encontro de uma galera muito nova, sem grana e que passa dias e noites bebendo cerveja e comendo pizza. Símbolo do que poderíamos chamar de juventude alienada, a cena jovem de St. Marks fez campanha de um modo particular. Punks com bottons e shapes de skate com adesivos, cartazes de apoio a Obama e críticos aos republicanos nos estúdios de tatuagem, cabeleireiros trash, lojas de camisetas de bandas.

Williansburg – área descolada do Brooklyn – reúne a grande parte da arte de vanguarda da cidade: músicos, produtores, artistas plásticos, arquitetos, estilistas. Pelos bares da Beford Street, é comum encontrar músicos de bandas como MGMT, The National e LCD Soundsystem. Lá, se notava a interpretação que o bairro fazia da campanha. Stickers dos artistas da área espalhados por todos os lugares faziam Obama se misturar com a arte de rua. A Brooklyn Industries – marca da região – criou até manequins Obama para expor suas roupas. Clubes como Studio B, The Annex, Santos Party House, Nublu Café, Galapagos declaravam seu apoio com cartazes já na porta. Todos os DJs faziam questão de se manifestar. Afrika Bambataa, por exemplo, dedicou a Obama todo seu set em uma das noites. B’52, Bruce Sprigsteen, Beck, Jay Z, Will.i.am, MGMT, Beyoncé fizeram concertos em favor do candidato em locais como Hemmerstein e Roseland Ballroom.

A campanha de Obama espertamente adotou a imagem de apoio feita pelo grafiteiro e artista plástico Shepard Fairey – conhecido até então apenas na cena da arte underground pelo seu famoso sticker Obey. A arte de Shepard rapidamente virou hit em todo o país e foi adaptada a cartazes, bottons, camisetas e adesivos. A estética da stencial art totalmente conectada com o jovem americano desde os tempos de Andy Warhol virou símbolo maior da campanha, o que potencializou ainda mais a conexão entre juventude e candidato.

A iconografia de Shepard criou uma imagem cool de Obama. Era possível encontrar qualquer produto do candidato eleito em bancas de camelôs, em grandes lojas como Urban Outfitters ou mesmo nas badaladas grifes do Soho – onde artistas e celebridades como Seal e sua esposa, a modelo Heidi Klum, podiam ser encontrados passeando com seus bottons, manifestando seu apoio.

Festejo em Grant Park

No Grant Park, vários telões transmitiam ao vivo a cobertura da CNN. Com as votações se encerrando (o que ocorre em horários distintos em cada Estado por conta dos diferentes fusos), a rede anunciava suas projeções, baseadas nas pesquisas de boca de urna. “Texas sucks”, gritava o povo quando surgiu no telão a vitória de MacCain no Estado do presidente Bush. “Atlanta is Atlanta”, cantava outro zombando do conservadorismo histórico da Georgia. Em compensação, a cada vitória de Obama sobrava alegria.

Coube a Wolf Blitzer, apresentador da CNN, a tarefa que Alexandre Garcia, da Globo, exerceu quando celebramos a vitória de Lula em 2002. “Agora já podemos dizer o que todos esperavam... Barack Obama is the 44th President of the United States.” Assisti a cenas de comoção verdadeira dos americanos. Um grito de basta que estava entalado na garganta, o alívio de tirar das costas o peso de George W. Bush e, ao mesmo tempo, eleger uma figura tão popular no mundo todo. Os telões exibiam as festas na França, no Japão, no México, no Quênia, na Itália...

Quase todos os afro-americanos choravam. Mesmo os famosos, como o reverendo Jesse Jackson, a apresentadora Oprah Winfrey e o rapper Will.i.am, estavam visivelmente encantados. A festa estava liberada. O som bombava canções bem populares, que eram entoadas como hinos: “Born in the USA”, “Sweet Home Chicago”, “America” e “Beautiful Day”. E, como um bom festival, chegou o momento de o headline entrar em cena: o presidente eleito, a futura primeira-dama, Michele Obama, e suas duas filhas surgiram no palco. “First Family”, gritavam todos. Tive uma sensação de déjà-vu. “A mudança chegou à América de Obama” no Grant Park me lembrou demais “a esperança venceu o medo” de Lula na avenida Paulista.
A explicação para o êxito de Barack Obama e a impressionante participação dos jovens americanos em sua campanha envolvem o marketing, a estética inovadora e o conteúdo do candidato, mas vai muito além disso tudo. Trata-se, antes de mais nada, de um sentimento que contagiou o país, de que tudo é possível e que, mesmo em um mundo repleto de dificuldades, pode-se, sim, sonhar grandes sonhos em relação ao futuro. Yes, we can.

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