Intimidade em construção

Quatro pais falam sobre os desafios da construção da paternidade e da criação de laços de intimidade com os filhos

apresentado por Hering Intimates

Ismael dos Anjos

Pai do Francisco, de 8 anos

"Sou pai socioafetivo do Francisco. Além da mãe, meu filho tem dois pais: eu e o pai biológico. A relação de paternidade socioafetiva não tem vínculo biológico, mas tem vínculo de afeto e de confiança. E isso só se desenvolve ao longo do tempo e da relação. Eu não virei pai do dia pra noite, foi uma construção.

Justamente por não ter o vínculo biológico, eu só sou pai do Francisco porque em algum momento a gente entendeu que tem uma relação de afeto. E não tem nada mais forte do que ter um vínculo de amor, de confiança e de afeto que ninguém mandou você ter, que não foi obrigado, que não tem uma desculpa biológica ou social. É uma relação que se desenvolveu e pra mim isso é muito bonito. Eu me emociono muito toda vez que ouço um “pai” vindo dele.

Acho que estabelecer o diálogo e a confiança são as principais maneiras de estabelecer intimidade. Desde o início eu tenho o hábito de abaixar e olhar no olho dele para entender o que ele estava falando e sentindo. Quero que meu filho me veja como alguém que ele possa se apoiar, tirar dúvidas, chorar, sorrir, brigar, ficar bravo, e que ele não vai ter menos amor, carinho e compreensão por isso.

Ter essa relação declarada de amor com o meu filho, na qual ele diz ‘eu te amo’, eu digo ‘eu te amo’, de se cuidar, se olhar, se entender, se respeitar, é com certeza a experiência mais rica e encantadora, mas também a mais desafiadora.

É diferente do que eu vivi. Meu pai foi um cara presente, mas tivemos uma relação menos afetuosa, mais clássica de masculinidade, pautada pela autoridade, pelo respeito e pelo medo. E ainda existe muito dessa paternidade mais tradicional. Não vamos mudar séculos de uma paternidade que se baseia em três “P”, que são procriar, proteger e prover, para magicamente estar centrada no cuidado.

Aprendo muito sendo pai do Cisco, sobre cuidado e sobre olhar para mim. A paternidade coloca um espelho na nossa frente, nos faz pensar ‘vou fazer o que meu pai fazia ou vou fazer diferente?’

Até o último dia da minha vida eu vou estar em uma relação de aprender, ensinar, falar, ouvir, dialogar, trocar, errar e acertar com esse ser. E ele vai me desafiar em coisas que eu nunca pensei, vai trazer coisas que eu nunca imaginei, eu vou ter que descobrir como lidar, descobrir se eu sei aconselhar"

Ismael dos Anjos - Crédito: Mariana Pekin
Pedro Fonseca

Pai do João, 14, da Irene, 10, da Teresa, 8 e do Joaquim, 5

"Eu tive que imaginar como ser pai muito cedo. Aos 21 anos, uma namorada engravidou. Nessa época, minha ideia de paternidade era uma fantasia imatura, frágil e autocentrada. Eu achava que ser pai era sobre mim. Acabamos perdendo o filho por uma complicação no terceiro mês da gravidez. Doze anos depois, quando eu finalmente me tornei pai, entendi que a paternidade é tudo, menos sobre mim mesmo.

A chegada dos filhos representou um impacto gigantesco em todos os papéis da minha existência. E essa transformação não parou quando a chegada dos filhos pararam. Os nascimentos são marcos temporais, mas é o dia a dia que vai construindo a paternidade. É um aprendizado que não termina, se a gente estiver atento vai aprender a cada minuto.

Vivemos em um tempo de desconhecimento, porque passamos a conviver através das telas, passamos a não olhar no olho das pessoas. E diante de um filho a gente tem que inverter essa lógica, a gente tem que se olhar no olho para se reconhecer. Para mim, o que rege uma relação de intimidade de um pai com os filhos é o reconhecimento. É eles conseguirem reconhecer a minha humanidade, quando estou forte, fraco, feliz, triste… E o contrário também, quando eu consigo simplesmente de olhar e conversar com eles, reconhecer em que momento eles estão.

Eu não tive uma relação íntima com o meu pai. Nós, ele e eu, não construímos isso. Mas essa não é a escolha que eu quero fazer para a minha vida. Eu tenho construído uma relação de afeto e intimidade com meus filhos de maneiras muito diferentes, porque eles são criaturas muito diferentes umas das outras. O único comum entre os quatro é a tentativa constante de ter uma relação baseada no diálogo. Eu não quero provar para eles que eu sou uma autoridade, faço um esforço cotidiano para que eles tenham convicção que eu estou disponível para o diálogo, independentemente do tema.

Vejo ao meu redor pessoas mais dispostas a olhar com afeto para a relação entre pai e filhos, mas não tenho a falsa ilusão de que o mundo mudou e essas relações estão muito mais hoje no campo da afetividade do que no campo da autoridade.

É na mudança do entendimento da masculinidade que a gente tem chance de construir uma sociedade que se relaciona mais nos campos afetivos, emocionais, subjetivos do que nos campos duros da razão. Temos que encarar, sem muita vergonha, que a nossa masculinidade é falha. E se a gente olhar para isso, temos mais chances de ter sucesso nas relações paternais, amorosas, afetivas, de amizade e assim por diante.

Para mim, a paternidade é um convite radical, diário, de coisas simples e sutis, mas também de coisas complexas, para pensar na minha masculinidade"

Pedro Fonseca - Crédito: Fernanda Corsini
Thiago Queiroz

Pai de Cora, de 10 meses, da Maya, 3, do Gael, 7, e do Dante, 9

"A gente vive em um mundo que não ensina muito bem os meninos a sentirem, a receberem e a darem afeto. Então, para mim, a chegada de um filho foi um momento de muita confusão e medo. Eu procurava ouvir outros pais que pudessem falar sobre como desenvolver essa relação, como demonstrar afeto, porque eu não tive essa referência do meu próprio pai. Eu queria muito ser diferente, mas não sabia como.

A paternidade me apresentou um mundo completamente novo, para me curar daquele menino que eu fui e que ouviu muito: ‘menino não chora, tem que ser forte, tem que ser homem’.

O fato de meus dois primeiros filhos serem meninos me ajudou muito a entender o poder do abraço de um pai com um filho. Quando eu abraço meu filho, eu também estou abraçando aquele Thiago pequeno lá do passado que queria tanto ter recebido abraços do pai, mas que não recebia porque essa coisa do afeto nunca foi bem trabalhada.

Muitos homens que me acompanham na internet ainda acham que o pai tem que ser aquela figura de autoridade que impõe respeito. Mas esse modelo tradicional de autoritarismo não tem nada a ver com respeito, mas sim com medo. E isso, para mim, nunca foi e nunca será sinônimo de autoridade. Se durante a vida dos meus filhos eu estiver próximo e conseguir acolher as inseguranças, as raivas, as invejas, toda sorte de sentimentos dando afeto, eu me tornarei uma autoridade para eles. Não porque eles têm medo, mas porque eles vêm em mim uma referência.

A relação de intimidade está ligada ao vínculo que construímos. As pessoas acham que para construir um vínculo afetivo com os filhos precisa ter um mestrado, ir pro MIT, e não é nada disso. Se sou um pai presente e atento às necessidades dos meus filhos de forma ligeiramente consistente, isso fará com que esse vínculo se construa, se fortaleça e se torne um laço afetivo.

Sinto que eu tenho conseguido construir uma relação bem próxima, afetuosa e segura com os meus filhos. E vejo isso principalmente pela forma como eles me procuram para determinados anseios das vidas deles.

Essa construção como pai não é uma imagem estática, mas também não é um caminho permanente de evolução. É muito mais como se fosse uma dança. Hoje estou dançando com meus filhos entendendo qual é a demanda de cada um, a personalidade de cada um. E daqui a um ano já será outro ritmo e vou ter que dançar esses novos ritmos"

Thiago Queiroz - Crédito: Divulgação
Facundo Guerra

Pai da Pina, 8 anos

"Eu não tinha nenhuma ideia do que era ser pai. Não li nenhum livro, não conversei com outros pais, não fiz cursinho… Foi tudo uma surpresa. Principalmente porque a paternidade que eu conhecia era aquela que pagava as contas, era do provedor. Eu não tinha uma imagem de referência do que era ser pai. Poucas vezes eu tive uma relação íntima com o meu pai, eu nunca ouvi um “eu te amo”. Parece que a gente é incapaz de ter uma relação íntima com outro homem sem colocar em cheque a nossa masculinidade.

Eu não acho que a paternidade possa ser ensinada. É uma busca subjetiva de cada um, uma busca existencial de transformação. Não quero me basear nas vivências de outras pessoas, quero ter as minhas experiências sem filtros. Descobrir o que é ser pai é uma delícia de viagem.

Ter a Pina me deu um novo olhar para as coisas. Eu consegui brincar de novo, saber o que é amor verdadeiro, incondicional, entender que não sou o centro do mundo, entender minha finitude e me preparar para o processo de envelhecer. É muito legal descobrir o mundo através do olhar de uma criança. Ela me deu uma segunda chance, porque quando ela nasceu, eu tinha 38 anos e estava cansado de ser quem eu era.

A paternidade é uma viagem muito doida. Eu penso: ‘que sorte eu tive’. Eu respeito muito a decisão de quem decide não ter filhos, não é para todos. Mas eu não trocaria um segundo. Eu não economizo nem um ‘eu te amo’. Eu falo para ela todos os dias. Eu choro, me emociono, percebo o quão sortudo eu sou. E ela me retribui dez vezes.

Ao ser pai, meu mundo ganhou uma nova camada de complexidade. Imagina que começamos a falar de paternidade há dez anos, talvez até menos. E foi por causa das mulheres, do feminismo. Os homens mais sensíveis, mais porosos para o discurso feminista, começaram a dar razão as suas companheiras, entendendo que temos que ser aliados para que as mulheres paguem um preço menos alto na maternidade. A paternidade não foi uma conquista dos homens, que de repente decidiram exercer seu papel de pai. Foi uma conquista do feminismo"

Facundo Guerra - Crédito: Divulgação
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