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Até algum tempo atrás, nascer no interior significava viver no isolamento informacional

por Ronaldo Lemos em

Até há alguns anos, nascer em uma cidade do interior do Brasil era um limite. Significava viver no isolamento informacional. Algumas redes improvisadas até apareciam, como fanzineiros aqui e ali, mas não eram suficientes. Discos, filmes e livros chegavam tarde demais. Para participar pra valer das conversas sobre cultura no Brasil e no mundo era preciso “ir para a capital”.

Com a internet, tudo isso mudou. O fenômeno aparece no ótimo filme Os famosos e os duendes da morte, de Esmir Filho, que mostra um jovem do interior do Rio Grande do Sul isolado, mas com angústias conectadas ao mundo. Tal como ele, as cidades do interior estão cada vez mais online, seja por lan houses ou pela banda larga que vem chegando devagar. Só que o dilema dos jovens interioranos agora é outro. Ele vem do paradoxo entre a chegada da informação e a facilidade de produção, em contraste com a sensação de isolamento geográfico que permanece.

Já senti isso na pele. Vi de perto como a chegada da TV a cabo mudou o destino da minha geração no interior de Minas Gerais no começo da década de 90. E tenho certeza de que a internet faz do interior a novíssima fronteira cultural do país. O que falta é articulação: novos canais de visibilidade, apoio das prefeituras e integração com universidades públicas e particulares que deveriam abrir seus espaços para o novo. Além disso, caçadores de tendência de toda parte poderiam dedicar mais tempo a garimpar o que está acontecendo fora das capitais.

Alguns exemplos pessoais: na virada do ano voltei à minha cidade natal e pude ver o surgimento de um evento como o Rerigueri Festival (bit.ly/gjN65r). Descobri uma nova geração de bandas, como o U-Ganga, que rapidamente tornou-se minha banda de metal favorita (junto com o The Mechanics, de Goiânia). Além de um grande número de bandas novas como Anil, The Random Colours e outras.

Peguei a viola, não fui viajar
O potencial dessa amostra materializa-se em iniciativas como o já “tradicional” Circuito Fora do Eixo: uma rede de casas de show e festivais que se espalha por 25 Estados do país. Vale mencionar também casos de sucesso como o do desenhista Maurício Ricardo, que, de Uberlândia, fala para todo o país pelo site charges.com.br. Em outros tempos precisaria estar no Rio ou em SP. Hoje não. É também empolgante saber que existem cenas ultraunderground de quadrinhos, como a MRD Editora (bit.ly/eXRkv3), que publica autores como Watson Portela, Soter Bentes e Beto Martins.

Outra dimensão da força do interior é a popularidade do sertanejo. Não só o YouTube escolheu o gênero para fazer sua primeira transmissão “ao vivo” no Brasil (nos EUA, a banda escolhida foi o Arcade Fire) como é fundamental lembrar como o Villa Country em São Paulo tornou-se uma catedral que atrai dezenas de milhares de devotos todas as semanas.

A força econômica, aliada à conectividade, faz do interior manancial de novas cenas que merecem ser conhecidas. É um verdadeiro “amanheceu, peguei a viola e botei na sacola”. Só o “fui viajar” que ainda precisa superar os limites que sobraram.

*Ronaldo Lemos, 34, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br

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