Indie Festival
Mostra que começa hoje em São Paulo tem exibição gratuita de filmes feitos "fora da indústria"
Nesta sexta-feira, 20, começa o Indie Festival em Sâo Paulo. O festival de cinema reúne, entre retrospectiva e mostra, filmes que passam ao largo de grandes produtoras. “Todo cinema feito fora da indústria pode ser considerado independente e nem todo independente é autoral”, diz Francesca Azzi, uma das idealizadoras do evento.
Realizado há 13 anos, o festival nasceu em Belo Horizonte e acontece desde 2007 em São Paulo. Conhecido por trazer películas do mundo todo, dessa vez ele também traz o diretor Jean-Claude Brisseau para um debate.
“Às vezes você chega a um cinema completo e fala: é esse o cara!”, diz Azzii sobre o francês que terá toda sua filmografia exibida no evento, assim como o documentarista chinês Wang Bing. Abaixo, ela fala um pouco mais sobre o evento, o circuito independente e lista filmes imperdíveis no Indie Festival.
Como surgiu o festival? Ele surgiu em Belo Horizonte. A gente ainda faz lá primeiro porque temos um vínculo. A Zeta é de lá. Apesar de eu morar aqui meus sócios trabalham lá. E o festival surgiu em 2001. Existia a ideia de fazer um festival de cinema que levasse os filmes mais independentes para Belo Horizonte porque não tinha nenhum grande festival lá. A gente fez achando que seria voltado para um público mais iniciado, mas a surpresa foi que o público jovem aderiu ao festival e a gente teve muitos anos de sucesso com eles e ficou estimulado a crescer. Em 2007 recebemos o convite para realizar o festival no Cinesesc. Eu já achava que tinha bastante coisa em São Paulo, mas é questão de oportunidade. A programação do Indie acabou conquistando o SESC, esse nicho de pessoas. E aos poucos a gente foi conquistando esse público. Nossa ideia é sempre chamar um público mais jovem. A gente tem a retrospectiva, mais para os iniciados, e os filmes da mostra mundial, uma coisa mais contemporânea. A gente escolhe o filme dentro do possível de grana também, apostamos muito nessas escolhas. É indie, mas a gente paga.
E o que caracteriza um filme como independente? O independente hoje não é só alternativo. É econômico. Todo cinema feito fora da indústria pode ser considerado independente e nem todo independente é autoral. Tem filme que tem assinatura do diretor, mas tambem novos diretores que não se sabe qual caminho eles vão trilhar, se eles vai postar no mercado, se vão pra algo comercial. É nesse universo que a gente se concentra. Tanto nos filmes consagrados, como do Brisseau - ele sempre foi independente -, como do Wang Bing - fora dos padrões do cinema chinês porque produz sem verba estatal e é censurado pelo governo. Se você faz filme com a Globo Filmes você não está mais independente, você acaba ficando vinculado. Independentes são aqueles que buscam os próprios processos de produção financeira e técnica. Você não deixa de ser independente por conta de apoio, mas acho que é um espirito de não estar vinculado a facilitadores de conteúdo que vão dar palpite no seu filme. Fazer de maneira de independente é se ver livre disso.
Por que não há filmes brasileiros no festival em SP? Em Belo Horizonte a gente tem. Botamos dez filmes brasileiros e tem debates também. Aqui a gente não faz porque São Paulo é um mercado concorrido em termos de mostra ou festivais. Os filmes brasileiros têm outras oportunidades: ou já foram pra mostras ou querem pré-estreia e pra gente não conflitar com esses desejos a gente acaba não trazendo. É uma estrategia. Os brasileiros tem teorias sobre lançamentos, mesmo os independentes.
E passado tanto tempo desde a criação do Festival, que tem 13 anos, algo mudou na cena independente do país? Mudou muito no mundo. Antes você tinha um numero menor de filmes que chegavam ao Brasil e hoje a produção aumentou. O cinema alternativo só tem a crescer e no mundo parece que ele não tem encolhido. Você vai pra festivais e fica impressionado com o número de filmes. Acho que está mais acessível. Às vezes você vê surgir um cinema que não sabia que existia. O Wang Bing é fruto dessa geração. Ele começou a fazer filme em 2000. Você acompanha essa coisa das carreiras através desses eventos e isso está muito fortalecido. Cada vez mais surgem novos diretores fortalecidos pelo mercado independente. No Brasil a questão da exibição está achatando tudo. Você não tem salas pra exibir os filmes. Agora somos uma distribuidora e a gente tem sentido na pele como é botar um filme em cartaz. Antigamente você tinha mais salas. Talvez esteja melhorando a produção, mas na ponta você não tem onde exibir. Você fica sujeito a um, dois, três circuitos. As salas estão fechando ou sucateadas. É raro ter uma sala igual ao Cinesesc.
E como você enxerga as leis de incentivo no Brasil? As pessoas tendem a falar muito mal das leis de incentivo. Eu vejo com outros olhos. Eu acho que sem elas a gente não teria conseguido fazer o Indie e todos esses eventos talvez não teriam acontecido. Não sou a favor que acabem as leis de incentivo. Acho que tem de ter um envolvimento maior das empresas e isso tem de ser feito gradativamente. Em outros países da América Latina você não vê tanta atividade como no Brasil e como em São Paulo. Eu acho que isso funciona pro incentivo. Você pega o guia e tem trocentos eventos: quantos deles não recebem incentivo? Acho que tem de rever a lei, mas acho que jamais deveria acabar. Acho que é muito radical isso. Tem de procurar caminhos para incentivar aquilo que precisa. Sem isso o Indie Festival não existiria, ainda mais com entrada franca. Se amanha a gente não tiver mais a lei de incentivo talvez a gente não consiga, mesmo cobrando ingresso, fazer o Indie.
Recentemente o filme O Som ao Redor foi escolhido para participar do Oscar. É um filme independente e tem passagem pelo Indie Festival. Como vocês veem isso? Acho maravilhoso. O Som ao Redor fala do Brasil de um maneira crítica. Ele é o primeiro longa do Kleber e tem uma direção autoral que é uma característica brasileira. Os grandes diretores do cinema brasileiro são autorais. Esse filme é muito importante. O tanto que ele marcou esse momento, as questões de insatisfação e tudo mais. Ele traz essa insatisfação de uma maneira sutil. Ele vem antes das manifestações mas já é um reflexo do que a gente vive. Ele me representa! Sobre a recepção dele pela Academia eu não faço a mínima ideia. Cinema não tem uma fórmula. Ninguém vai entender esse filme? Por que não? O Palhaço, que foi o escolhido [para tentar vaga no Oscar] ano passado, é um filme menor - eu acho. Tem suas qualidades, mas não tem essa complexidade de O Som ao Redor: as sutiliezas, as ironias.
Certo. Pra finalizar, diga três filmes que são imperdíveis no festival. Do Brisseau todo mundo deveria ver tudo. Inclusive para as mulheres porque como é um cinema mais erótico, tratando do desejo feminino, os homens adoram. Mas acho que as mulheres deveriam descobrir de qual mulher ele fala. Ele é meio mítico com as mulheres. Ele quer que elas se revelem, se descubram, e faz isso de uma perspectiva masculina. Recomendo o Celine. O Três Irmãs, do Wang Bing, porque ele exige que você se entregue ao tempo dele. Os filmes são muito longo e não são temas fáceis de assimilar. São denúncias ou pessoas em situações complicadas, como operários de fábrica, pessoas no manicômio, pessoas isoladas. Sempre tem uma certa dor na história não-oficial da China E o Heli, que foi a escolha mexicana para o Oscar. É parte do novo cinema do México.
Vai lá: Indie Festival
De 20/9 a 3/10
Cinesesc - R. Augusta, 2075, São Paulo
Entrada franca (Ingressos distribuídos com uma hora de antecedência)