Incompreensível
Nosso colunista tece considerações a respeito de alguns usos e costumes da vida cotidiana que provocam questões difíceis de responder
Me pergunto: para que serve realmente a figura de um flanelinha (e atente, por favor, que, apesar do nome, do título, nem mesmo um pedaço de pano ele tem na mão, muito menos uma flanela)? A CET diz que não tem jurisdição sobre o cara que fica lá, na beira da calçada, guardando um espaço pelo qual você em teoria já pagou – se é verdade que você pagou seus impostos em dia. A subprefeitura da região onde a rua está localizada não vai poder fazer nada porque tem coisas mais importantes com que se ocupar. E o cara ali toma seu dinheiro sob o pretexto de dar uma olhada e com o subtexto de que, se não for assim, coisas estranhas podem acontecer. Depois desaparece. Isso pode ser considerado chantagem, extorsão? Talvez a Constituição deveria ser mudada e, em vez de dizer “direito de ir e vir”, deveria estar escrito “direito de ir, vir e ficar…” (ou estacionar?).
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De quem é a idéia de servir sushi em uma churrascaria? Quer dizer, existe alguém em sã consciência que na hora do almoço olha o relógio e pensa “caramba, uma boa hora para ir até a churrascaria tal e comer um bom sushi”? Isso faz sentido? Será que em algum momento os restaurantes japoneses, em retaliação e no intuito de se igualarem a tamanha estupidez, vão começar a servir picanha fatiada na hora, entre um sashimi e um shitake? Faz sentido?
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Por que será que os motoristas de radiotáxi insistem em deixar ligado o rádio de seus carros? E me refiro ao rádio que os liga à central, não o que toca música. Parece que eles têm prazer em nos fazer ouvir a voz sonolenta que, afogada em um mar de estática, recita informações do tipo “até o Jaçanã é de oito-quatro reais” ou “a moça pediu para tocar a campainha da casa” quando eu estou indo para a outra ponta da cidade e moro em um apartamento. Será que o taxista faz isso por solidão, para me mostrar o que ele tem de suportar o dia inteiro? Ou apenas para me lembrar que estou sentado no banco traseiro de um radiotáxi e tem receio de que eu possa imaginar que, se o rádio estiver desligado, aquilo não seria mais um radiotáxi e não poderia me cobrar a fortuna que está me cobrando para me levar de um lado a outro da cidade?
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Por que será que algumas mulheres fazem questão de deixar a alça do sutiã aparecendo entre as alças da camiseta? Em geral são de cores diferentes das roupas vestidas, e a sensação que me dá é que essas alças, malditas sejam, pedem para ser puxadas. Sabe como, não? Um puxão que depois, ao soltar a tira elástica, faz aquele “shlpack” sobre a pele do ombro. Tenho certeza, porém, de que, se alguma vez fizer isso, seguindo o mais puro instinto juvenil, ele não será bem recebido.
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Por que será que a maior parte dos motoqueiros de uma cidade como São Paulo insiste em andar sobre o fio da navalha que é circular na faixa que separa um carro de outro? Por que será que insistem em jogar a vida na roleta do trânsito, quando as estatísticas mostram que as apostas não são nem um pouco favoráveis aos jogadores e os resultados costumam ser mortais?
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Por que será que as aves não nadam e os peixes não voam?
*J. R. DURAN, 55, é fotógrafo e escritor. Seu e-mail é studio@jrduran.com.br