Reinvenção – e subversão – do bordado

por Gisele Teixeira

Com temas como sexo, dragões e caveiras, essa arte chegou a museus e galerias do Rio de Janeiro, Buenos Aires, Londres, Berlim - e também é feita por homens

Agulha, linha, bastidor. A matéria-prima é a mesma, mas as comparações param por aí. Os temas mudaram – sexo, dragões, caveiras – e as mãos também. O bordado deixou de relatar o universo doméstico para compartilhar intimidades e medos do mundo, inclusive do masculino. Ficou intenso. Visceral.

Ao resgatar um ofício considerado tradicionalmente “menor”, os novos bordadores homens e mulheres ultrapassam os limites do gênero e do artesanato para elevá-lo à categoria de grande arte. Chegaram aos museus e galerias do Rio de Janeiro, Buenos Aires, Londres, Berlim. Ganharam o mundo.

No Brasil, Leonilson e Artur Bispo do Rosário foram alguns dos precursores desse bordado autoral masculino. E Gilberto Gil, lá pelos anos 70, já bordava em mantôs enormes o ziguezague do tormento.

Atualmente, a exposição Aquilo que nos une, na Caixa Cultural do Rio de Janeiro (até 19 de junho), reúne 26 artistas que utilizam a costura e o bordado como expressão poética e suporte. Entre eles alguns homens, a exemplo Rodrigo Mogiz.

Artista plástico minero, Rodrigo descobriu o bordado quando cursava a Escola de Belas Artes da UFMG e nunca mais o largou. Utiliza a técnica para unir suas influencias regionais com temas universais. Na série Mapas Imaginários conseguiu “costurar” referências contemporâneas, como a busca do afeto e a sensualidade, com imagens de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.

“Busquei uma iconografia de épocas passadas, da vida do interior, bichos e plantas, religiosidade e uma história de amor/amizade. Assim, criando fragmentos de um mapa inventado, bordando e sobrepondo trilhas e personagens para um lugar que não é meu e nem de Rosa. Paisagens imaginárias de um terceiro espaço, de um lugar atemporal”, diz.

Atualmente, Rodrigo desenvolve a série Enquanto desenho na sua superfície, que beira à tatuagem. São pontos livres, quase desenhos feitos à mão. Vai lá: flickr.com/photos/rodrigo-mogiz

A dupla Daniel Giannone e Leo Chiachio apresenta em Buenos Aires a exposição Monobordado. Eles atuam de forma conjunta desde 2003, ou seja, bordam as mesmas peças, a quatro mãos. São também um dos primeiros casos de união civil entre pessoas do mesmo sexo na Argentina e, ao combinar vida e arte dessa maneira, acabaram por dissolver os limites entre ambas as esferas. Agora são Chiachio & Giannone. Sem individualidades e diferenças de estilos, pelo menos para quem vê de fora.  

O nome Monobordado, no entanto, não vem daí. As obsessões é que são sempre as mesmas – palavras deles, dos dois: o amor, a nova família argentina, as memórias de viagens, o jeito irreverente e divertido. São autorretratos de ambos, em diferentes momentos e situações: disfarçados de índios guaranis, de samurais japoneses, de bombeiros musculosos com torsos nus, mesclados com referências de outros artistas e feitos com pontos super complexos.

Daniel (loiro, olhos azuis) aprendeu a bordar quando criança, num colégio de freiras, na província de Córdoba, e mais tarde ensinou a Leo. Ambos vêm de uma tradição pictórica e decidiram deixar óleo e o acrílico pelos fios, que utilizam quase como pigmentos, criando luzes e sombras e dando a sensaçãod e volume. Vistos de longe, é difícil detectar a técnica usada em seus trabalhos.

“Ao usar técnicas reservadas até então ao gênero feminino e, em alguns casos, ao mundo infantil, resgatamos o artesanal, o ofício, e celebramos o fato de os homens também poderem ingressar nesse universo com alegria”. Vai lá: chiachiogiannone.com, a exposição fica estão até 9 de junho na Galeria Pasaje (Bartolomeu Mitre, 1559 - Buenos Aires). Também é possível baixar o livro completo: chiachiogiannone.com/Libro/ChiachioGiannone-Monobordado

PELO MUNDO 

David Catá 
Artista espanhol, trabalha o conceito bordado+memoria+tempo ao extremo. Seu próprio corpo se transforma em suporte para “bordados” efêmeros, um diario gráfico íntimo literalmente traçado sobre sua pele e continuamente desmanchado. Suas intervenções com agulha e linha sobre a pele ficam registradas em fotografias e vídeos. As documentações do processo adquirem valor como obras de arte em si. 

José Romussi
Nascido no Chile, José Romussi começou a trabalhar com arte em Nova Iorque, em 2010, e ficou conhecido bordando bailarinas sobre fotos vintage, retiradas de revistas antigas. Foram suas primeiras incursões com as agulhas. Mescla bordado à mão com intervenções à máquina. Recentemente, comecou a bordar outros temas, como caveiras. Expôs obras enormes no metrô de Berlim, onde vive. 

Maurizio Anzeri
Amante e colecionador de retratos fotográficos, este artista italiano selecionou uma série de fotos anônimas, encontradas em mercados de antiguidades, para formarem a base de uma série bordada. São 25 imagens dos anos 30 e 40, intervenidas com bordado tridimensional que, ao final,  formam máscaras de inspiração dadaísta.

Créditos

Imagem principal: Divulgação / Chiachio & Giannone

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