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Guerra à Guerra

Tem aquela idéia que diz que ?o Brasil não dá certo porque nunca teve guerra?. É um mito popular muito repetido, principalmente aqui no Sul e Sudeste, onde vivem milhões de descendentes de imigrantes de países que já viveram grandes conflitos bélicos. ?O Brasil só vai pra frente quando rolar sangue?, diz-se por aí, num pensamento impensado ou suicida, parte daquela sinistrose que diariamente condena o país a uma inviabilidade que só pode ser crônica, já que não dá para imaginar algum cidadão em sã consciência invocando realmente o horror de uma guerra para o próprio país. E muito menos desejando esse horror como solução para os problemas da nação.
É verdade que conflagrações arrasadoras marcaram a história da grande maioria dos países desenvolvidos. Mas a vontade rastaqüera de imitar o que só a gente chama de Primeiro Mundo tem limite, não tem? Por que não podemos inventar nossa própria história de civilização? Além do mais, o Brasil não só já teve, como ainda tem uma guerra. Agora. Não é novidade nenhuma. Alguém ainda duvida que o substantivo coletivo das nossas quase cem mil mortes violentas por ano é, simplesmente, ?guerra?? Alguém ainda acredita que há outro nome para a barbárie que o país está vivendo, sobretudo quando exposto ao fato de que o número dessas mortes violentas é maior não só absoluta como também proporcionalmente às baixas do conflito entre palestinos e israelenses?
A violência brasileira é uma forma de guerra que ainda não tem nome, não tem front definido, nem estratégia, nem declaração. O fato é que no Brasil até as guerras têm dificuldade de se institucionalizar tradicionalmente. E, se a maioria das guerras históricas, até as civis, tiveram a inegável característica de unir compatriotas em torno de alguma causa, por mais doida que tivesse sido, a nossa guerra faz exatamente o oposto. Ela empurra os brasileiros para o próprio umbigo. É uma guerra sem causa coletiva que constrói muros, grades e blindagens sempre pessoais. É uma guerra que divide, desagrega, separa. No entanto, é uma guerra que também nos deixa aberta uma oportunidade que nenhum belicismo tradicional deixaria: a possibilidade concreta de nos unirmos unanimamente contra ela. E de declararmos, aí sim, nossa primeira grande guerra institucional. Uma guerra à guerra.
Pera aí. Texto tem uma vida quase própria e este aqui do jeito que vai acaba transformando a coluna em um chamamento moral e cívico. Deus me livre. Continuo desconfiando de qualquer patriotada, inclusive das minhas. É bom que a gente continue bem pra cá de Bagdá. Guerra é uma coisa de que não gosto nem do nome. É claro que defendo uma ação drástica e planejada contra a violência nacional. Distribuição de renda mais justa, educação mais eficaz, repressão e punição mais exemplares, essas reivindicações todas, tão óbvias, que estão diariamente replicadas em todas as interfaces da mídia. Mas não posso deixar de notar o que é ainda mais óbvio: junto com as reivindicações, o que também se replica é a própria violência.

Proteja-se da mídia
A sociedade é hoje vítima de duas formas distintas de violência. Uma é aquela que pode nos atingir de fato, fisicamente. Assalto, seqüestro, assassinato, guerra… perigos que, se pensarmos com calma, ainda são bastante esporádicos, felizmente. A outra forma de violência contemporânea é aquela virtual, que nos chega pelos canais da mídia. Esta nos atinge todo dia, toda hora. É uma violência que, a longo prazo, também abala profundamente suas vítimas e ergue cercas individualistas. É uma violência que também gera mais violência.
A mensagem para o espectador, reiterada nas notícias, é bem clara: ?Temos que ter medo, temos que nos proteger?. Não há como negar que há bastantes razões, fundadas na mais real realidade, para que tenhamos medo. A mídia está cumprindo seu papel, como diria algum âncora solene. Só que também não há como negar que, para se proteger, o cidadão talvez tenha que começar se protegendo do próprio impacto desagregador das notícias. Não pela censura, é claro, que também é uma forma de violência, mas por uma tentativa de compreensão mais profunda dos sinais enviados pelos meios de comunicação. Como a rua, a mídia é um ambiente social. Um espaço de encontro, de trânsito. É preciso compreender os novos códigos desse espaço. É preciso entender sua virtualidade, sua lógica mitificadora, seus processos reducionistas, sua busca de impacto, sua vocação para gerar sensações. Não há outro caminho para a paz. Sobretudo para a paz de espírito.

*Carlos Nader, 37, homem de mídia, defende-se da dele pensando. Escreva para ele: carlos_nader@hotmail.com

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