Força de urso
Gente de todo o mundo está se unindo, mobilizando e protestando via internet em torno de todos os tipos de causas. Qual será o efeito?
Talvez o esperado e até o mais adequado fosse começar mencionando aqui o Occupy Wall Street, a Primavera Árabe, a primeira eleição de Obama ou alguma outra simbologia mais forte daquilo que hoje vem sendo associado à ideia de um novo modelo de ativismo.
Mas prefiro lembrar de um ursinho.
Explico: algumas edições atrás, fizemos uma Trip (que pode ser lida aqui) toda voltada à abordagem da sexualidade. Da diversidade sexual, para ser mais preciso. A capa, já quase um clássico, mostrava um casal de surfistas se beijando na praia. Ela mereceu um prêmio importante e uma menção no Congresso Nacional, entre outras não menos relevantes.
Mas, no meio da revista, havia uma reportagem que não mostrava homens magros e sarados como os dois retratados na capa. Ao contrário, ela revelava a história de um rapaz homossexual, gordo e peludo. Por conta de seu corpo e sua aparência geral desencaixados do estereótipo gay masculino vigente, o sujeito relatava ser permanentemente rejeitado. Nesse caso, não só por familiares e colegas próximos, como tristemente ainda é quase praxe, mas também nas comunidades e nos espaços gays que tentou frequentar.
Seu depoimento acerca do sofrimento que sentiu ao se descobrir completamente fora de todos os padrões aceitos (e sob todos os aspectos) é difícil de esquecer. Por sorte, nosso amigo vive na época em que a tecnologia oferece ferramentas notáveis. Pela rede de computadores, ele descobriu que não era o único homem gay, gordinho e peludo. Mais até do que isso, rapidamente soube não só que havia milhares de pessoas semelhantes em suas orientações, preferências e índices de massa corpórea, como que se chamavam de ursos, tinham sites, blogs, casas noturnas, moda e revistas para atendê-los. E até que havia subcategorias como os cubs, que reunia os mais novos e menos dotados de pilosidade, os muscle, com a musculatura mais evidente, entre outros agrupamentos.
Por mais prosaico e curioso, o exemplo diz muito sobre como o que se entende por novo ativismo pode e deve ser enxergado em todo o seu diâmetro, amplo e positivo. Pela rede, pessoas que creem, são e agem de uma determinada maneira podem hoje rapidamente se fortalecer e reivindicar direitos básicos e que não se pode (ou não se deveria poder) negar a ninguém, como o de existir com dignidade e de pensar livremente. Claro, há na mão contrária gente usando as mesmas ferramentas para organizar grupos terroristas, quadrilhas criminosas ou a disseminação e venda de drogas pesadas. Ou mesmo, defendida por cortinas de anonimato, destilar toda a sua mediocridade. Não há luz sem sombra.
Sobre a pergunta impressa na capa, talvez fique sem resposta. Da ocupação do centro nervoso do capitalismo americano ao “Fora Renan”, das Bicicletadas Peladas ao levante nos países árabes, dos ursinhos aos albinos. Qual foi o efeito, qual será a consequência?
Nosso giro procurou sobrevoar boa parte dos ângulos que há em volta dessa pergunta mesmo que já estejamos acostumados a formulá-las sem que necessariamente encontremos respostas. Talvez Renan não seja removido de sua cadeira agora, mas nem mesmo ele pode negar que estamos atravessando uma das maiores transições que este planeta já viveu. E que ela está ligada na carne ao fato de que o poder transformador, depois de passear pelos tacapes de chefes tribais, senhores feudais, reis e imperadores, por lideranças religiosas, por governos de todos os tons e mais recentemente pelas corporações, começa aos poucos a voltar para os braços, cérebros e corações dos indivíduos.
Paulo Lima, editor