Fora haoles
Na Praia da Atalaia, em SC, nativos já expulsaram forasteiros com paus, pedras e pancadas
Na Praia da Atalaia, em Santa Catarina, nativos já expulsaram forasteiros com paus, pedras e pancadas. O localismo virou tema de documentário, lançado em maio
Tem que saber entrar para saber sair. O bordão serve de aviso a qualquer um que chegue com pranchas de surf à Praia da Atalaia, em Itajaí, Santa Catarina, onde as longas esquerdas são guardadas com ferocidade pelos locais – uma tradição mantida desde os anos 70. Criado por acidente nos anos 60, depois da construção dos molhes que separam a praia do rio Itajaí-Açu, o point break passou a atrair paulistas e cariocas experientes na arte de deslizar sobre o mar.
É aí que começa a lenda. Em um estranho caso de localismo às avessas, os itajaienses, jovens e ainda nos primeiros passos do esporte, passaram a ser hostilizados pelos forasteiros em seu próprio quintal. “Depois de um tempo, vendo o absurdo que era a gente não poder surfar na nossa praia, decidimos: vamos botar pra correr”, conta Álvaro Rocha Koeming, o Alvarenga. Ele fez parte da “Libertação da Atalaia”, quando os nativos expulsaram os haoles debaixo de uma chuva de paus, pedras e pancadas.
A partir daí, a clássica esquerda, longa e forte, passou a pertencer a poucos privilegiados. Os locais não davam mole: além dos gritos e enfrentamentos dentro da água, atiravam pedras, quebravam pranchas, distribuíam murros e rasgavam os pneus dos carros para mostrar quem mandava na área.
Nem a imprensa escapava. Nos anos 80, a Fluir, revista nacional de surf, enviou uma equipe de reportagem para registrar a tal esquerda; os surfistas não gostaram da exposição e deram cabo do automóvel. A reportagem saiu com o título de “Atalaia, a praia proibida” e ajudou a cimentar a aura casca-grossa do pico.
Depois de décadas de violência, diz-se que o localismo virou mais psicológico do que físico. O jornalista Diego Lara não pega ondas, mas foi expulso da praia porque seu carro tem placa de Jundiaí (SP). Ele se encantou pelo tema e em maio lançou o documentário Restrito, que conta essa história com depoimentos e imagens das várias gerações de surfistas. No lançamento do filme num festival de cinema em Camboriú, 400 nativos urravam a cada depoimento sobre surras ou expulsões. Na dúvida, é melhor conhecer um local antes de se arriscar por lá.