Folhas mortas

No mundo de hoje faltam pessoas capazes de sonhar, pensar e fazer - tudo ao mesmo tempo

por Ricardo Guimarães em

Caro Paulo,

Sei que classificar pessoas é uma violência, uma burrice, um erro, um empobrecimento que não combinam nada com quem acha que a graça da vida está na surpresa. Mas não dá para olhar alguns tipos de comportamento e não ver um padrão se repetindo.

Outro dia, aproveitando a inspiração do outono em Itamambuca, fixei o olhar numa folha caída e me pus a imaginar como cada tipo de pessoa reagiria ao mesmo fato. Gente muito prática veria a folha como lixo e passaria o dia varrendo todas as folhas que encontrasse no chão para manter o lugar limpo.

Um sujeito mais inconformado, mas igualmente prático, antes de entrar em ação, se perguntaria: por que essa folha está aqui? Com certeza, acharia a resposta na árvore de onde a folha se desprendeu. Identificando a origem do problema, antes de varrer, sacudiria os galhos para que todas as folhas que estivessem por cair fossem para o chão. E aí, varreria de uma só vez todo o lixo do dia. Fazendo análise de causa e efeito, ele otimizaria seu tempo, podendo se dedicar a outras atividades que não varrer lixo o dia todo.

Imaginei um terceiro tipo, também prático como os outros, mas um pouco mais ambicioso. Ele veria na folha o sinal de que era outono, época de folhas caírem, da mesma forma que a primavera é a época de flores brotarem, e que esse era o ciclo da vida se repetindo naturalmente. No lugar de se incomodar com o lixo, deixaria as folhas caírem alguns dias, semanas, ou talvez o outono inteiro, e usaria seu tempo para planejar o que faria no inverno e na primavera.

Classificando as pessoas

Todo dia encontro gente assim.

Avalio o primeiro tipo como infanto-juvenil.

Zero de reflexão. Vai direto para a ação. Às vezes, perde muito tempo refazendo a mesma atividade porque não pensou antes. Para ele, o importante é estar em ação. Se não estiver em ação, não se sente útil e fica aborrecido.

O segundo tipo pensa antes de fazer.

Reflete sobre a razão das coisas e entende que a vida não é tão simples como parece. Ele acredita numa lógica, numa complexidade que, se ele acessar, poderá tornar sua ação mais eficiente. A limitação desse tipo é que ele é super-racional e só lida com os fatos visíveis, concretos. Aquilo que sai do seu horizonte ele não consegue gerenciar. O que não vê, não existe.

O terceiro tipo é um sonhador.

Ele imagina que vive numa civilização que está em paz com a natureza. Portanto, as folhas no chão não são lixo, mas parte de um processo natural de reciclagem da vida. Sua virtude está em procurar entender o contexto maior em que a folha está inserida - o ciclo do tempo - e assim olhar para um futuro além daquele dia.

Eu acho que a sociedade precisa desses três tipos de gente. Gente que faz, gente que pensa e gente que sonha. Mas, se você me perguntar o que está fazendo falta hoje, eu lhe digo que são pessoas capazes de sonhar, pensar e fazer ao mesmo tempo.

O mundo hoje está cheio de oportunidades para gente inconformada, com imaginação e competência. É uma época que pede visão crítica e pioneirismo em todas as áreas: tecnologia, educação, comunicação, governo, meio ambiente, alimentação, medicina, biologia, esportes.

Eu fico tão entusiasmado com essas possibilidades que hoje meu esporte favorito é acabar com o ânimo desses jovens talentosos e preparados que, para subir na vida, se dedicam a aprender as regras do jogo só para jogar melhor, e não para mudar o jogo para melhor.

Pela mesma razão, dou a maior força para quem pensa diferente e me surpreende com um ângulo novo, com uma perspectiva de revisão e construção dos hábitos e costumes dessa sociedade decadente.

Pensando bem, é bom de vez em quando classificar as pessoas para a gente não perder tempo com atitudes e comportamentos que deram errado. E, assim, poder investir em atitudes que nos levem a um futuro em que as folhas das árvores não sejam consideradas lixo. Você sabe muito bem do que estou falando.

Fica com o abraço do amigo velho,

Ricardo.

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