Fervor de Buenos Aires

Fomos a uma parrilla frequentada pelos taxista do bairro. Meu marido comeu o primeiro bife argentino de sua vida, experimentou chimichurri, tripas e vinho com soda e gelo

por Autumn Sonnichsen em

Oi, amor.

Estou em Buenos Aires há uns dias. Venho pra cá faz anos, já fiz exposições aqui, tive affaires, tenho meus amigos, meus botecos favoritos e minhas mulheres que tiram a roupa para mim.

Vim trazer meu marido para passar uns dias, o coitadinho estava sofrendo muito em São Paulo. Os sujeitos da Floresta Negra não foram feitos para janeiros paulistanos, não aguentam os pernilongos, o barulho dos carros e, mais que tudo, o calor dos 38 graus que eu amo tanto. Aqui está legal, tem mais brisa e ele pode fingir que está numa Europa decadente e selvagem.

Estamos na casa de uma amiga, Magali, recém-viúva. Seus gatos (cinco) vão e vem o tempo todo, e no armário fica a coleção de filmes do marido falecido. A varanda é enorme, cheia de folhas que caem das castanheiras. Coloquei um colchão do lado de fora e fico tirando sonecas e lendo a pilha de New Yorker que trouxe e que você tanto gosta de roubar da minha casa.

A Magali está linda, eu não a via havia uns três anos. Já te contei dela? Ela é uma pessoa engraçada, curadora de arte de dia e DJ de música pesada de noite. Quando tem tragédia ela ri, alta e profundamente, acho que por falta de saber o que fazer.

A namorada de outra amiga nossa se suicidou faz pouco tempo. Nunca soube dos detalhes. Maga me contou que a menina se agachou nas linhas do trem, deixando ao lado seu tênis com a chave de casa e um bilhete para a namorada. Ela me contava isso com o maior peso que a situação merecia, mas não conseguia parar de rir. Gargalhava, como se isso viesse da parte mais dolorosa do mundo. Como ouvir uma história dessas, com essa risada que parece sininhos de prata?

Na primeira noite, fomos para um bar no Congreso para tomar vinho. Minhas amigas me apresentaram uma antropóloga do Uruguai chamada Lola, que estava voltando para Montevidéu no dia seguinte. Às vezes a vida me traz essas mulheres vespertinas de presente.

Elas tinham acabado de passar dez dias nos confins do sul da Argentina, fazendo trilha nas montanhas, tomando banho de rio. Estavam incrivelmente bronzeadas.

Então apareceu um cantor decadente que fez sucesso em Buenos Aires nos anos 60. Ele fez sua primeira tatuagem há cinco meses, a melhor tatuagem de todos os tempos. Pedi à uruguaia que se ajoelhasse no chão do bar para que ele apertasse a regata dela.

Fora isso, Buenos Aires continua um clássico. Fomos a uma parrilla frequentada pelos taxistas do bairro. Meu marido comeu o primeiro bife argentino de sua vida, experimentou chimichurri, tripas e vinho com soda e gelo. Ser vegetariana no país do boi morto continua sendo um sucesso – todas as batatas fritas ficam para mim.

Você sempre disse que gostaria de receber uma carta minha. Já comecei várias, sabia? Um dia vou somar todas as cartas inacabadas que tenho guardadas nos meus cadernos e te dar de presente. Penso em você, de vez em quando, quando menos espero e quando eu mais gosto.

Até breve, 

Autumn

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