Felicidade: made in Butão

O butanês Karma Ura está no Brasil para falar sobre o índice de Felicidade Interna Bruta

por Ricardo Calil em

    Cada país tem alguns carros-chefe em sua pauta de exportações. Os Estados Unidos, por exemplo, são famosos por vender armamentos e filmes ao resto do mundo. Apesar dos avanços tecnológicos, o Brasil ainda é essencialmente um fornecedor de commodities. Já o Butão, pequeno país encravado entre China e Índia com pouco mais de 600 mil habitantes, vem se tornando conhecido por exportar um caminho para a felicidade. 


    Em 1972, o rei do Butão, Jigme Singye Wangchuck, criou o termo Felicidade Interna Bruta (FIB), para se contrapor ao Produto Interno Bruto (PIB). Ou seja, uma nova maneira de avaliar a riqueza de um país levando em conta não apenas os aspectos econômicos, mas também os ambientais, culturais, psicológicos e espirituais, entre outros.

    Ao passar a aferir os índices do FIB e criar políticas públicas para atacar os problemas encontrados, o país conseguiu dar um salto em seus indicadores sociais e chamar a atenção do mundo para essa experiência inovadora. O conceito do FIB foi, por exemplo, uma das inspirações para a Trip desenvolver os 12 temas que debate mensalmente em suas edições há quatro anos.

    Hoje, uma das principais autoridades do mundo em Felicidade Interna Bruta é Dasho Karma Ura, presidente do Centro para Estudos do Butão e membro da Comissão do FIB do Ministério do Planejamento de seu país. Ele está no Brasil para divulgar o mais disputado produto de exportação butanês e participar de uma série de eventos, como a 1ª Conferência Nacional do FIB, que foi realizada em São Paulo na última quarta-feira, em um Sesc Pinheiros lotado.


    À frente da iniciativa, está a antropóloga americana Susan Andrews, diretora do Instituto Visão Futuro. Ela tem planos concretos para que o Brasil se torne o segundo país ocidental a adotar o FIB, depois do Canadá. “Como disse o (escritor francês) Victor Hugo, não exista nada mais poderoso do que uma idéia cujo tempo chegou”. A idéia, claro, é a Felicidade Interna Bruta. O tempo é o da crise dos tradicionais valores econômicos que se abateu sobre o mundo. Para falar sobre eles, conversamos com Karma Ura.

Com a crise econômica global, a idéia do FIB ganha mais força em relação ao PIB?
Acredito que haverá algum grau de ceticismo em relação à idéia de que o mercado sozinho pode equilibrar o mundo. A crise mostrou quão irreal era a riqueza de alguns países, baseada na posse de ações, não de bens. Creio também que novos pensamentos surgirão, que novas lições serão aprendidas. Temos que ver que a crise pode trazer infelicidade em um primeiro momento, por causa do aumento do desemprego, mas também pode mostrar que não se deve basear a felicidade em coisas frágeis e imprevisíveis, que é preciso encontrar fontes mais estáveis de satisfação. Sei que não é politicamente popular falar isso neste momento, mas a queda do crescimento e do consumo – de carvão, de gás, de petróleo – não é necessariamente ruim. Ela pode ser muito positiva para o meio ambiente, por exemplo.

Depois de séculos quase fechado a influências externas, o Butão vem se abrindo para o mundo nos últimos anos. O que mudou no país, e no seu conceito de felicidade, com a chegada da televisão e da internet, por exemplo? A mudança mais evidente foi na moda. As pessoas estão se vestindo de forma mais ocidentalizada. A longo prazo, essas novidades podem criar uma vulnerabilidade do país em relação ao modo de vida estrangeiro. As prioridades mudam. Se as pessoas gastam seu tempo na frente da TV, não o usam para outras atividades, nem para socializar. Elas sabem mais sobre o conteúdo dos programas e menos sobre eles mesmos e sobre seus vizinhos. Nos últimos anos, houve um pequeno aumento de problemas juvenis, como o uso de drogas, especialmente cola. Mas ainda temos menos de 100 casos. E não há dados que comprovem que existe uma relação entre esse problema e a chegada da TV e da internet.

Outra mudança recente fundamental no Butão foi a implantação da democracia. Eu li que a maioria da população reagiu de forma negativa. Por quê? As pessoas comuns não gostaram da mudança, porque adoram o rei. Elas sabem que suas decisões foram muito positivas para o Butão. Ele melhorou as relações com a China e a Índia, há menos pobreza, mais tempo de vida, mais educação, menos burocracia. Mas o rei, que decidiu fazer a mudança, acredita que o país terá mais estabilidade com a democracia. Neste ano nós tivemos nossa primeira eleição direta para o Congresso.

E como os partidos se posicionaram em relação ao FIB? O FIB foi a plataforma central dos dois partidos que disputaram as eleições. As diferenças entre os dois são pequenas.

Como o mundo reagiu à idéia do FIB? Em geral, houve dois tipos de reação. A primeira, dos governos, foi de simples curiosidade: o que esse pequeno país está inventando? A segunda, dos indivíduos, foi identificar no FIB uma maneira alternativa, mais holística, de ver o mundo. “Ah, isso funciona melhor que o PIB”, eles pensaram.

Para que outros países importem o FIB, é mais importante ter a aprovação dos governos ou dos indivíduos? As duas coisas devem acontecer. É preciso haver políticas públicas para aferir e implementar o FIB. E também são necessárias atitudes individuais de mudança. O fundamental é que as duas coisas sigam o mesmo caminho. No Butão é assim.

O senhor diria que o conceito do FIB é atualmente o principal produto de exportação do Butão? Eu diria que nós somos bons advogados da causa da felicidade.

O senhor se tornou uma espécie de especialista em felicidade. Isso significa que o senhor seja feliz? Eu tenho sentimentos ambíguos a respeito. Porque enfrento grandes batalhas, principalmente de saúde (aos 57 anos, Karma Ura recupera-se de um ataque cardíaco). Eu tento ter expectativas realistas. Acho que esse é um dos segredos para a felicidade.

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