Fácil e Difícil

por Luiz Alberto Mendes em

 

Desconfio sempre quando algo seja fácil. Nunca foi fácil para mim, muito pelo contrário. Mesmo porque tudo que surgiu como fácil depois se mostrou profundamente difícil. Já o difícil, como pensar diferente da maioria, depois sempre trouxe importantes realizações. A maioria pode estar errada (como quase sempre esta) e, mesmo sendo difícil seguir contra a corrente, posso sempre aprender. No mínimo exercito minha liberdade de escolher.

O dinheiro que veio fácil, além de gastar mais fácil ainda, depois se fez muito difícil em suas consequências. A salvação não vem do alto, já ficou claro isso e não se encontra aqui em baixo também. Nunca seremos salvos por algo que venha do exterior a nós. Salvação é estar no caminho de acertar, mesmo que erre, andando para a frente. Vencendo o comodismo, a obcecação do consumismo. Salvação é a capacidade de, embora nossas fraquezas, decidir as coisas que devem ser feitas e fazer com que elas aconteçam de fato. Hoje o dinheiro é pouco, reduzido, mas dou valor, sou criterioso e não gasto fácil. Ele provem da minhas dificuldades vencidas pelo meu esforço.

Vou lançar mais um livro agora. Será meu sexto livro publicado. Estou com o contrato assinado com a Cia das Letras. Vou até receber um adiantamento significativo que vai cobrir despesas importantes. Este livro esta sendo elaborado desde 2008, são 6 anos mourejando em cima do teclado, examinando cada capítulo, cada sentença e cada palavra. Escrevi e reescrevi trocentas vezes, até perdi a conta. Tento, com toda minha dificuldade de autodidata, tornar uma leitura fácil, para que todos entendam ao bater os olhos. Uma leitura fluente que encante o leitor com a história. Sei que minhas escolhas de hoje estarão fatalmente erradas amanhã. Caminhamos nos reorientando a cada instante vivido. Tudo que é correto hoje, será desmascarado amanhã. Por exemplo; o açúcar e o sal, especiarias trazidas do Oriente, eram caríssimas e o que havia de melhor para alimentação. Hoje descobre-se que tanto o açúcar quanto o sal são os grandes vilões a minar a saúde humana. A internet antes vista como esperança de liberdade, hoje é apenas uma distração barata que nos tira do foco social, nos individualizando.

Houve um momento em minha vida (1979) que decidi, contra todas as dificuldades e opiniões contrárias, frequentar uma Universidade. Não tinha nem os certificados do Ensino Fundamental ou Médio. Era apenas um leitor voraz, condenado a quase 100 anos de penas. Todos, com raras exceções, desaconselharam e desacreditara. Larguei tudo e mergulhei em cursos do Instituto Universal Brasileiro por correspondência. Pois em 1982 eu já conquistara os certificados de 1º e 2º graus, estudando sozinho, sem ajuda e eliminando matérias em exames supletivos. No final de 1982, fiz exames vestibulares que examinadores da PUC vieram na prisão para aplicar em mim, concomitante aos vestibulares normais que ocorriam lá na Universidade. E, para a surpresa de todos, fui o primeiro colocado nos exames vestibulares daquele ano. Ninguém acreditou, mas em 1984 saia da prisão todos os dias para frequentar aulas. Hoje sei que foi o desafio, as dificuldades, que me deram força para tal realização. Fui o primeiro preso no Estado a fazer um vestibular e frequentar uma Universidade.

Fui acumulando vitórias em meio a dificuldades imensas, quebrando barreiras e extrapolando preconceitos arraigados acerca do homem preso. Tornei-me professor e alfabetizei trocentos companheiros de sofrimento, publiquei um livro (Memórias de um Sobrevivente) que vende até hoje e dei início a uma coluna na Revista Trip que hoje completa 13 anos. E, consegui sair em liberdade, depois de 31 anos e 10 meses preso, sem dever nada para a justiça. Estou há 11 anos livre e jamais passei pela porta de um Delegacia. Há preconceitos, eu sei e conheço-os na pele. Mas são outras dificuldades que hei de superar com meu esforço e empenho. E crescerei tornando difícil o que parecia impossível e fácil o que já foi difícil.

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Luiz Mendes

12/01/2015.   

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