Exército vermelho
Cardoso em um guia de sobrevivência para homens muito brancos no verão brasileiro
No país da gente bronzeada, o escritor gaúcho André “Cardoso” Czarnobai mostra seu valor: um guia de sobrevivência para homens muito brancos no verão brasileiro
Quando se canta o nosso “mulato inzoneiro” é muito comum que venha à cabeça a imagem de um povo apolíneo, cheio de ginga, alegria e – principalmente – com muita disposição para torrar ao sol. É justo. No fim das contas, o Brasil é um país fartamente abastecido por praias paradisíacas e, de fato, povoado por uma expressiva maioria que mal pode esperar o primeiro sinal do verão para botar coxinhas de fora e dar início aos trabalhos no seu cobiçado bronze.
Há, todavia, um outro lado nesta moeda. Vivendo sua vida próximo a um trópico, o Homem Muito Branco está acostumado desde cedo a sofrer este pênalti. Mesmo nos estados do Sul, onde é mais abundante, ele já enfrenta temporadas senegalescas o ano inteiro. O cara tem que aprender a se defender.
Pensando nas dificuldades enfrentadas por esse escasso fruto no pomar das raças brasileiras e tendo em vista a chegada inclemente da temporada anual de praia que acompanha o verão, elaboramos um pequeno Guia. Afinal de contas, como diz meu bom amigo Frei Hermann, cuja face parece um sol de tão larga, acolhedora e iluminada, “ninguém tem pena de alemão grandão”.
a) PROTEÇÃO
Muito embora o branco seja a frequência do espectro que menos absorve os raios solares, refletindo-os de forma extrema, vale notar que o Homem Muito Branco não é de fato muito branco, e sim alguma coisa entre o consideravelmente rosa e o vagamente creme. Portanto, vale a atenção: apesar de a camiseta branca oferecer uma sensação térmica bem mais aprazível do que a preta, o mesmo não é verdadeiro no tocante à tez.
a.1) BLOQUEADORES SOLARES
Coisa penosa é, toda manhã, ter de besuntar o corpo com um óleo tão grosso que, quando o cara finalmente consegue se livrar dos últimos vestígios, já é hora de passar tudo de novo. Isso sem falar nas marcas modernosas que acrescentam aromas adocicados ao creme, atraindo a presença de abelhas e atiçando o faro de cães mais sensíveis.
a.2) ABRIGOS
Guarda-sóis são bons. Barracas são boas. Até a sombra de uma frondosa árvore é boa. Mas a melhor técnica para se proteger da exposição direta ao sol continua sendo o “ficar em casa no ar-condicionado jogando videogames”.
a.3) INDUMENTÁRIA
Com os termômetros marcando 40 graus, vale tudo na luta pela vida: usar dois bonés (um virado para trás para proteger o cangote) ou papete fatal para não grelhar a sola dos pés. No tocante à roupa de banho, há diferentes escolas, que variam de estado para estado. Em alguns, o cara pode causar furor ao usar uma sunga asa-delta, em outros, por usar uma bermuda cáqui com bolsos múltiplos e cinto. Mas, como mais cedo ou mais tarde o Homem Muito Branco vai ter de entrar de camiseta no mar, a real é que tanto faz.
b) HIDRATAÇÃO
Não sei se o Homem Muito Branco sua mais ou menos do que o Homem Muito Negro, Índio, Mameluco ou Cafuzo – todavia suponho que sue mais do que o Muito Oriental. De qualquer modo, manter-se hidratado é fundamental. Só há duas possibilidades de fazer isso:
b.1) COM ÁLCOOL
Tudo bem que a cerveja nacional é um elixir terrível de milho e repolho que só dá dor de cabeça, barriga inchada e peidorreira cabal, mas há um contexto em que ela se torna aceitável: gelada pra burro, na beira da praia, num dia de sol. É também a postura que faz o Homem Muito Branco parecer o menos gringo possível, já que a caipirinha vai atrair todos os vendedores de artesanato rupestre, tatuagens removíveis e passeios de escuna num raio de aproximadamente 8 quilômetros.
b.2) SEM ÁLCOOL
Água, de preferência da torneira, pra já ir acostumando o organismo (leia mais no item c). A água fornecida pelo fruto coco também pode ser consumida, bem como as demais águas fornecidas pelos demais frutos (alguns chamam de suco).
C) ALIMENTAÇÃO
A despeito do que dizem os nutricionistas de todo o mundo, não leve suas frutas à praia. Se você é mesmo um Homem Muito Branco, você transa frutas estranhas. Imagine que você está lá curtindo um barato com os seus amigos e aí, muito casualmente, puxa uma carambola da valise. Pronto. “Olha lá, o gringo tá comendo carambola.” E aí, coberto de bloqueador 60, a bermuda cáqui toda molhada, de camiseta do Hard Rock Café de 1993, sombreiro, papete (e se bobear até meia), lá se foi o seu último bastião de dignidade. Melhor evitar. A coisa toda já é tão difícil. Pra que complicar?