Eu precisava de droga para sobreviver

Mendes começou a fumar cigarro aos 9 anos, maconha com 11, cheirou éter, benzina, tíner...

por Luiz Alberto Mendes em

Comecei a fumar cigarros com 9 anos e maconha com 11. Depois vieram éter, benzina, tíner, gasolina e remédios com anfetamina. Cocaína era coisa para artistas

Caso fosse escrever sobre drogas, talvez não me preocupasse tanto com o aspecto físico, legal e dos direitos sobre si mesmo. Para isso há uma comissão, presidida por FHC. Antes procuraria entender por que, mesmo diante de reprovação social, penalizações e danos físicos, o homem insiste em usar drogas. Creio, por experiência pessoal, que essa fissura, esse desespero interior, provém da pressão existencial de cada um. Não somos seres completos, nem experientes. Vivemos tateando no escuro. A maioria segue orientações religiosas, culturais ou familiares. E bebem, fumam e usam psicotrópicos. Outras pessoas não conseguem seguir orientações. Eu não consegui.

Jamais coube em minha vida, sempre precisei de mais. Provavelmente seja este o vetor que acione a ansiedade e a angústia, companheiras do meu dia a dia. Paulo Lima afirmou que ansiedade é o mal do século. Seguindo esse raciocínio, angústia deve ter sido o mal do século passado. Estava condenado a seguir a orientação interior que levou a me perder. Havia um “sem saber” que sabia. Sabia que havia um caminho para mim. Como um cego, dava cabeçadas em todas as portas, e as que se abriram não foram as melhores.

Comecei a fumar cigarros com 9 anos e maconha com 11. Havia fugido de casa para viver nas ruas do centro de São Paulo. Aprendi com outros “meninos de rua”. Cheirava éter, benzina, tíner e gasolina. Havia a necessidade de esquecer o moleque agoniado que eu estava sendo. Exorcizava a fome, o frio, o pavor do pai alcoólatra e espancador, os policiais e comissários de menores que nos batiam.

Depois vieram as “bolinhas”. Remédios com anfetamina na composição, Anorecsil, Preludim, Estenamina, Instilaza, Rinosteg e outros. Em seguida comecei a aplicar Perventim na veia. Cocaína era coisa para artistas. Boa parte do que conseguia em roubos era direcionado às drogas.

Encarcerado, restou o lenitivo do preso, a maconha. Lutava para fugir da pressão da prisão, dos companheiros, dos guardas e da consciência de que nunca mais sairia. Somente quando conheci os códigos de comunicação e os livros comecei a fazer uma releitura de mim, do mundo e disso tudo. Mas, ainda assim, recorria à erva.

Por que usar drogas?

Para aliviar pressões, me sentir bem e ser feliz por uns momentos. Por isso acredito que o homem goste tanto de drogas: para conseguir o que não atinge, ou seja, ser feliz. Mesmo que fosse uma felicidade artificial e de curta duração, eu carecia daquela migalha de luz para sobreviver. Sei que uma vida plenamente consciente pode ser muito mais satisfatória. Mas como, diante da vida louca como é?

O combate às drogas não deve ser pela repressão. Essa alternativa não deu certo. Muito pelo contrário, só aumentou o número de usuários. Acredito que, enquanto o homem tiver motivos para chorar, sofrer, angustiar-se, ou ser acelerado pela pressão interior ou exterior, a droga fará parte do show humano. Como combater as drogas então? Com uma sociedade mais justa, com menos desemprego, desesperança, violência, ameaças, fome, desespero e tudo mais que causa dor e sofrimento.

É a dor, o sofrimento, a tristeza, a angústia, a ansiedade, a pressão do tempo, do dinheiro e do trânsito, entre outras coisas, que causam a falta de alegria, paz, amor e felicidade de que carece o homem para viver sem drogas.


*Luiz Alberto Mendes, 56, é autor de Memórias de um sobrevivente, sobre os 31 anos e 10 meses que passou na prisão. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com

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