Estupidez
Estou aqui fora há mais de cinco anos e ainda olho com deslumbramento tudo o que vejo
Estou aqui fora há mais de cinco anos e ainda olho com deslumbramento tudo o que vejo. Às vezes me perco a pensar até quando será assim. Todo meu ser implora para que seja assim para sempre. Não preciso ficar lendo, escutando MP4, distraindo a mente com joguinhos no celular, quando estou em metrô ou ônibus. Não quero que o tempo passe logo, mesmo quando estou nesses lugares de trânsito. As pessoas em torno mexem com minha curiosidade. Tento detectá-las pelos gestos, roupas, olhos e por tudo que transparecem de dentro na leitura que faço de seu exterior. Tento entrar em suas vidas, saber como são, o que fazem, sentem e pensam. Qualquer outra pessoa é um desafio fascinante para mim.
Pela janela vejo infinitas paisagens que se oferecem aos meus olhos sedentos de ver, admirar e ler. Se para amar é preciso admirar; para ler é preciso ver e admirar. Casas, prédios, estabelecimentos comerciais, vitrines, cartazes, pessoas, cães, gatos, árvores, flores, vida enfim, tudo me rouba a atenção tão vivamente que nunca consigo ler nada por inteiro. Há sempre algo mais interessante logo a seguir. Uma parede pintada com uma cor mais viva, uma criança correndo feliz, chuva, sol, nuvens, as pipas no ar, carros multimarcas e multicoloridos, que me chama a atenção mais fortemente, e pum, cortou e já estou em algo mais fascinante ainda.
Às vezes chego ao cúmulo de pensar que esses mais de 30 anos preso, separado da vida, foram um bem inestimável. Estaria assim feliz e curioso, sedento e ansioso pelo que descubro se estivesse ficado esse tempo aqui fora? Noutras me revolto um pouco a pensar o contrário. Sinto que fui roubado da alegria e da satisfação de viver que havia para mim naqueles 30 anos. Provavelmente seria bem melhor se estivesse ficado aqui fora, teria aprendido mais, desenvolvido mais, tudo mais. Mas e a generosidade, a sensibilidade com a dor alheia, a vontade de abraçar a todos que sofrem e de alguma forma colaborar para amenizar com a alma, com o coração. Teria conhecido essas maravilhas todas que aprendi a amar se não sofresse bastante, pergunto-me. Mas para aprender então é preciso sofrer? Numa boa não se aprende? Não sei quanto aos outros, mas para mim parece que é mesmo desse jeito. Acho que sou muito estúpido: só vou para frente na base da paulada. Agora parece que estou aprendendo as coisas mais numa boa. Será que deixei de ser estúpido? Duvido muito. Mas se a ignorância é a fonte da estupidez, vivo lendo, escrevendo, estudando e observando atentamente para não ignorar tanto. Acho que estou caminhando para ser menos estúpido.
Luiz Mendes
18/08/2009.
Obs. Passei três dias escrevendo. Escrevi o texto da minha coluna na Revista Trip e mais um montão de coisas. Comigo não tem isso de inspiração. Tem dia que não estou a fim. Então fico na minha assistindo um filme, lendo, estudando, conversando ou até andando a esmo pela cidade. Mas se eu sentar ao computador sai qualquer coisa. Agora, quando estou a fim, só paro quando a vista começa a arder e sair água, impedindo de enxergar e a ponta dos dedos doerem de forma insuportável.