Esperança sustentável

Livro mostra que o mundo só se tornará um lugar inviável quando acabar a expectativa de que as coisas melhorem

por Luiz Alberto Mendes em

POR LUIZ ALBERTO MENDES*

“O homem é um predador ineficiente, imediatista, que tende a não calcular o quanto pode consumir antes de se autodestruir.”
Marcelo Gleiser


Já evoluímos como espécie o suficiente para podermos contar com a nossa inteligência na hora de conter os desastres ecológicos que causamos? Seremos capazes de reconstruir o mal que iniciamos com nossa ignorância e confusão de valores? Mas, de fato, nossa ação foi assim tão nefasta a ponto de nos condenar? E os fatores naturais, aqueles de que não somos causadores? Deveremos temer o dia de amanhã? O medo nos salvará? Ele nos leva a atitudes reagentes de defesa. Mas reagir é a melhor defesa? Ou seria melhor propor um novo futuro? Sim, porque futuro existe potencialmente. Como ele ocorrerá é que não podemos prever. Ou até podemos.

O animal é conjunto de respostas instintivas. O homem, feixe infinito de questões. Nossa ação não se adapta ao mundo. Estamos condenados a transformar. Nossa proximidade já é transformadora. Somos culturais e não naturais. Damos nome e deitamos conceito a tudo. Nosso progresso parece sinônimo de destruição. O livro Desenvolvimento sustentável, que bicho é esse?, do professor e cientista José Eli da Veiga e da escritora Lia Zatz, publicado pela editora Autores Associados, nos esclarece a respeito.

O texto apresenta com clareza (lembrem-se: quando está fácil de ler, foi difícil de escrever) posições contrárias quanto ao futuro do planeta e a responsabilidade humana nisso. O primeiro grupo de cientistas afi rma que o aquecimento global, a perda da biodiversidade, a extinção de espécies, a escassez de água potável, entre outras questões, são ameaças prementes, e tais riscos são causados pelo homem. Defendem posições baseadas nas leis da entropia e da termodinâmica. Segundo elas, em algum momento a energia que o homem usou e transformou em energia não utilizável inviabilizará a vida no planeta. Exatamente porque não há como dissipá-la.

Para eles a humanidade teria como prolongar sua estada no planeta. Atitudes emergenciais deveriam ser tomadas, porém a humanidade já optou por uma “passagem rápida”, mas “excitante e fogosa”, pelo planeta.

Um outro grupo afirma que o mal que o ser humano faz ao mundo é de importância reduzida em relação às atividades vulcânicas dos oceanos e às variações do Sol. Para esses cientistas, o que vai acontecer ao planeta tem a ver com a sua programação natural. Já houve catástrofes climáticas radicais, meteoritos ocasionando eras glaciais e extermínio de espécies (dinossauros) antes do homem. Os cientistas afi rmam que, se as sociedades destroem o meio ambiente para crescer, compose de modo a recuperar o que destruíram quando se sofi sticam. A recuperação dos rios nas grandes capitais é exemplo disso.

Para ser cientificamente correto, é preciso admitir que essas posições não estão comprovadas. Ao mesmo tempo, nenhum desses argumentos pode ser descartado. Esperar provas científi cas talvez seja a melhor posição, mas pode ser que esses danos se tornem irreversíveis nesse tempo. Então se faz necessário crer na possibilidade da catástrofe para que decisões urgentes sejam tomadas.

CONSENSO ZERO
Para concluir, perguntei a Lia Zatz, uma das autoras: “Os livros informativos que conheço costumam trazer respostas acabadas para questões da atualidade. Esse livro de vocês é assim?”. A resposta foi exatamente o que eu esperava: “Acreditamos e esperamos que não. Tratar do desenvolvimento sustentável não é fácil. Bem ao contrário.

Existem divergências científi cas sobre várias questões: está mesmo acontecendo um aquecimento global? Quais as responsabilidades das ações humanas nisso? O livro trata dessa divergência. Não subestima a capacidade das pessoas de compreendê-la. Favorece e estimula uma atitude científica. Ao fim, deixa esperança: sem ela, aí sim a sociedade se tornará insustentável”.

*LUIZ ALBERTO MENDES, 56, autor de Memórias de um sobrevivente, passou 31 anos e 10 meses na prisão e está mais preparado para o fi m do mundo que a maioria de nós. Seu e-mail é lmendes@trip.com.br
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