Espécime raro
Antonio Cassalho defende bravamente a floresta à qual se dedica há mais de 50 anos
Pode-se dizer que seu Toninho é uma espécie em extinção. Sozinho percorre, há 54 anos, os 8.000 ha do Parque Estadual da Cantareira, em São Paulo, atrás de palmiteiros e caçadores. É o remanescente dos guardas florestais do parque, que hoje é patrulhado pela Polícia Florestal. De natureza pacífica, Antonio Cassalho jamais atirou em criminoso, capturando-os sem violência. Profundo conhecedor da fauna local, imita com perfeição cantos de pássaros para atrair caçadores. Aos 72 anos, caminha pela maior floresta nativa urbana do mundo colhendo plantas medicinais, pois não gosta de remédios: “Quando meu primeiro filho morreu no parto, jurei que nunca mais um médico entrava na minha casa. Meus outros cinco filhos nasceram pelas minhas mãos”, conta com a mesma naturalidade com que se embrenha mata adentro de dia ou de noite, sem precisar de bússola ou lamparina.
À prole, agregou mais seis crianças. Um sobrinho e outras cinco, que adotou depois da morte dos sogros, ficando com a tutela de seus cunhados mirins. Onze filhos e uma vida inteira dedicada à mãe natureza, paixão herdada do pai, mateiro que migrou da mineira Camanducaia em 1919. “Meu pai me ensinou muita coisa, mas eu aprendi perguntando. Ia prum lugar novo, via um preto velho ou uma pessoa branca com mais de 70, 80 anos – pois esses são os sabidos – e perguntava sobre as plantas, sobre os animais...”, relata, acrescentando que hoje ministra cursos de um dia sobre botânica. “Cobro R$ 10 por cabeça. Pode ligar pra minha casa e marcar: 2262-3228.”
A MATA NINGUÉM TASCA
Seu Toninho exibe orgulhoso a medalha que ganhou como melhor guarda-florestal de 1974, trabalhando quatro dias sem parar na luta contra um incêndio que ameaçou a reserva. “Quando a gente entra no mato, reza. Um Pai-Nosso, uma Ave-Maria, entrega para Deus e Nossa Senhora Aparecida. Não é jararaca, nem onça, nem o bicho-homem que vai me botar medo.” Nem a ameaça das empreiteiras, que têm dizimado a vegetação em torno do parque para construir condomínios de luxo? “Nossa mata ninguém tasca. Enquanto eu tô vivo, ninguém mexe nessa floresta. Conheço palmo a palmo de nossa reserva e não existe uma só árvore derrubada por machado ou motosserra”, afirma, convicto. Policiais e pesquisadores que precisam trabalhar na floresta são auxiliados pelo guarda-florestal. “Estudei até o quarto ano só, mas dou aula até pra médico e engenheiro. Eu vou escrever ruim, torto, mas vou explicar certo.”