Espancamento feminino

por Luiz Alberto Mendes em

Tara Aviltante

 

De um tempo a esta parte, tenho lido muitas biografias. É um gênero que me agrada pela verdade existencial de cada um. Sou muito curioso em saber como os outros vivem com eles mesmos para ver se o que vivo comigo é real e eu não sou insano. Então, acabo conhecendo sobre a vida de muita gente. E gente que vale a pena saber como foi que eles lidaram com essas coisas tão opressivamente dificultosas para todos nós. Família, sexo, amizades, traições, desejos, mesquinharias, fraquezas...

E foi assim que soube muitas coisas estranhas que me deixaram intrigado. Por exemplo, as grandes divas afro-americanas, Billie Holiday; Tina Turner; Ella Fitzgerald; e Sara Vaughan, tiveram maridos e amantes que as espancaram vigorosa e sistematicamente. A mim pareceu muito estranho que aquelas mulheres poderosas, cujas vozes dominavam, seduziam, encantavam e eram capazes de enfrentar platéias de milhares de pessoas, apanhassem como dizem seus biógrafos. E eram soqueadas frequentemente no rosto e com uma violência tamanha que as marcas ficavam visíveis, mesmo sob grossas camadas de maquiagem. Há quem afirme que aquelas marcas, verdadeiros hematomas, eram exibidas com orgulho: era prova cabal de que pertenciam a um homem. Eram chamadas de "as marcas do amor", por mais absurdo hoje pareça.

O homem antigo, se não fosse rico, era rejeitado, humilhado, obrigado a se submeter a verdadeiros tiranos. Era para sempre frustrado e carregava um gigantesco sentimento de inferioridade. Mesmo por isso, atacava sua mulher, sua companheira de infortúnio que era testemunha de sua impotência. A violência doméstica era um mal que se julgava aceitável; espancar a mulher era uma atitude amplamente difundida.

Depois da chamada "revolução sexual", do feminismo, Simone de Beauvoir e outras grandes mulheres, a violência do homem contra a mulher começou a ser encarada como uma tara aviltante. O próprio homem hoje se sente indignado e envergonhado com a covardia de seus antepassados. Tanto que hoje existem leis severas que punem de verdade os covardes agressores, como a Lei Maria da Penha, por exemplo (que foi sancionada por homens). A violência contra quem não tem condições físicas de reagir tem um outro lado também. Causa revolta e libera a parte agredida de qualquer culpa ou vergonha com relação ao agressor. É a partir dai que nascem as traições tanto físicas, quanto emocionais e ideológicas.

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Luiz Mendes

08/10/2013.

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