Esbofeteando Helena

Grupo sai de dentro do teatro e apresenta peça pastelão em ruas e praças de São Paulo

por Diogo Rodriguez em

Ao invés de cadeiras numeradas, bancos baixos de plásticos alinhados em uma única fileira. No lugar do palco elevado, praças no centro de São Paulo. Antes de a peça Helena perde perdão e é esbofeteada começar, os atores se preparam na frente de todos, pois não existe camarim ou coxia. Uma vez iniciado o espetáculo - uma mistura de novela, comédia pastelão e teatro de rua - é impossível saber onde a ação vai parar. Escrita por Alexandre Dal Farra, e encenada pelo grupo Tablado de Arruar, a peça se mistura ao público, à rua e aos barulhos da cidade. Tudo vira elemento cênico: o boteco da esquina, a porta do banco, a ambulância que passa por acaso na rua. O público quase todo fica em pé, e é composto por pessoas habituadas ao teatro, mendigos, garotos que pedem dinheiro. Alguma pessoas dialogam com os personagens como se estivessem na sala de casa vendo televisão. A Trip conversou com o autor da peça, em São Paulo, que contou um pouco de suas inspirações para o texto.

 

Por que a peça está na rua?
O grupo começou com teatro de rua, em 2001. Éramos moleques, queríamos fazer teatro para a galera, falar com o povo. Começamos com essa linguagem, Comédia Dell'Arte, palhaços, mas nunca fomos muito bons nessas coisas. Fizemos três peças de rua e ficamos três anos fazendo uma peça de palco - Quem vem lá?, feita a partir do Hamlet - projetos longos, difíceis, que envolvem auto-questionamento, mais existencial. Fomos para a sala. Fizemos um projeto, esse da Helena, que era uma vontade de voltar para a rua, mas com outra postura, mais combativa, meio anarco. Ir para a porrada. O projeto se chamava Atentados, inclusive. Ele ganhou fomento, então ganhamos um gás de grana, dava para ensaiar mais. A dramaturgia da peça é toda pensada para estar na rua. Ela depende da rua. Se for feita em um ambiente sem interferência externa, perde a graça. A graça é que na sala da Helena passam carros, tem mendigo. Essa historinha que criamos, quanto mais claramente ficcional, estruturada, com personagens marcados, mais ela suporta esse choque. Na minha opinião, a força é essa, uma ficção rígida jogada na realidade sem mediação. É o carro que passa, é a loja invadida, o cara se joga no banco. Como a história é rígida, tudo pula no meio da realidade como se fosse parte.

 

Tem improviso?
Tem. Foi justamente isso que eu percebi: pela história ser marcada e a trajetória ser clara, a peça suporta todos esses improvisos, é para ter. É muito clara a ação da peça. Por isso você pode colocar o que for, que não vai atrapalhar. Pode ter um mendigo, tem que ter o cachorro, para enriquecer.

Vocês entram nos bares, batem na porta do banco. Deu alguma confusão com os comerciantes?
Estreamos agora em São Paulo, ainda não. Fizemos uma viagem pelo Brasil com a peça: Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Até agora não deu confusão. Temos que ter autorização da prefeitura antes. É muito mais fácil no Brasil lidar com as pessoas como o dono do boteco, do que com a prefeitura. No boteco, a gente vai e fala: "Vamos fazer um negócio aqui, não se assuste". Se bem que na Liberdade, os caras tinham mais medo, foi mais difícil de negociar. No banco na Liberdade, a gente nem avisou. A porta principal estaria aberta às 16h30, a de dentro, fechada. Pensamos: "Será que avisamos? Eles não vão deixar nunca. Então vamos fazer". Foi melhor. Os seguranças ficavam olhando o louco entrando, se jogando, caiu lá dentro. Sexta vamos ver como vai ser. O personagem não é confundido com uma pessoa real, então não há risco de acharem que é um assalto mesmo [risos]. O funcionário que está lá dentro está pouco se fodendo, o problema é com o superior dele [risos].

Quais são as referências do texto? A personagem Helena é uma citação das novelas da Globo?
É, foi uma brincadeira com as Helenas. Tem os recursos do melodrama, mas não é uma novela. Você não consegue identificar vilão e mocinho. Uma outra referência muito forte é o [dramaturgo] Bertold Brecht.

Tem uma câmera filmando a ação toda, uma TV mostrando isso...
Isso, tem a TV. Falamos para ela [a operadora de câmera] fazer o enquadramento da novela, usar as regras, os tipos de enquadramento. Fica com cara de novela. Tem o Tarantino. Vi Bastardos Inglórios, achei sensacional. Ele pega o melodrama que rege o cinema de Holywood. O método dele é espancar o melodrama, até não ter mais para onde fugir. O argumento do mocinho é totalmente sem noção: nazis não tem humanidade, temos que ensinar valores a eles, matar todos. Tem lutas, brigas, tudo meio malfeito [risos]. O mais legal da peça é a possibilidade de assumir todas essas coisas thrash que não são cult, que eu não me orgulho de conhecer e ter visto: Trapalhões, TV Pirata, novela, Nelson Ned.

Existe uma crítica forte à cidade de São Paulo na peça e vocês recebem incentivo da prefeitura. Qual é a intenção disso?
Eu não acho que tenhamos de construir nada. Não é nossa obrigação construir uma compreensão, uma teoria sobre a sociedade atual. O dinheiro da Prefeitura não tem que ser usado de maneira construtiva. Tem uma cláusula na lei, a contrapartida social, que muitas vezes é tomada como um valor social que a obra teria. Às vezes se traduz isso em um sentido em que a obra deveria servir para as pessoas entenderem melhor a sociedade onde elas vivem, algo positivo. Não acho que deva ser assim necessariamente. Temos mesmo que ganhar o dinheiro da prefeitura para gastar à toa. Essa é uma postura melhor, libertária. Não por nós, porque somos legais, mas porque é importante não ser útil, a coisa não ser transformada em um sentido claro e objetivo porque a realidade não é clara e objetiva, porque não é tão fácil explicar. Tem que pegar o dinheiro público, queimar em praça pública e isso é um serviço que fazemos para a sociedade. É para não ficar tudo resolvido.

Vai Lá: Helena pede perdão e é esbofeteada
Temporada até 31 de julho em São Paulo
Sextas-feiras: Praça da Liberdade, às 16h
Sábados: Largo Santa Cecília, às 16h
Gratuito
http://www.tabladodearruar.com.br/

Arquivado em: Trip / Teatro / São paulo / Arte