Natal seria tempo de alegria se vivêssemos no melhor dos mundos. Mas como vivemos por aqui mesmo, Natal ainda é tempo de denúncia. De mostrar as crianças dormindo nas calçadas junto com mendigos, velhos e drogados, pessoas apagadas de nossa convivência social. De denúncia contra essas pessoas que matam, ferem e judiam do ser humano por qualquer tipo de ideologia ou vingança corporativa. De denunciar que a política até se pode fazer com democracia. Eleger um Presidente operário, por exemplo. Mas a economia não. Continua na posse dos privilegiados e espertos. Às vezes parece até que a ignorância, a violência, a fome, a miséria e a podridão não são estruturas históricas. Não possuem começo, meio e fim. Parecem mais com fenômenos da natureza, cujo controle e desenvolvimento nos escapa inteiramente e não podemos fazer nada. Denunciar que é na cracolândia, nas favelas, campos de extermínio, no trabalho infantil, nas prisões superlotadas, nas câmaras de tortura, nas periferias das grandes capitais, no Afeganistão, na Palestina, no mais profundo dos abandonos e na dor mais intensa que estão as inevitáveis consequências daqueles que tiram lucro com tudo isso. Denunciar que o dinheiro, como uma entidade a nos pressionar, tornou-se um fim em si mesmo e não mais um meio para se alcançar objetivos, conforto e tranquilidade. Denunciar a vida se tornou
Um esmeril a lamber
Com seus dentes de aço
Sem grito e sem estilhaço.
Denunciar que a vida das pessoas só esta ganhando sentido no consumismo. Que não lutamos coletivamente por uma escola pública melhor; uma saúde pública de qualidade e uma segurança que não seja somente de homens fardados que, como ilhas, saem distribuindo tiros e mortes para todos os lados. Denunciar que temos seguido caminhos individualistas: escola privada para nossos filhos, plano de saúde privado para nossa família e segurança particular. Carro blindado para evitar assaltos ou nos livrarmos da condução escassa e de péssima qualidade. Em não havendo coletividade de lutas, não haverá comunidade e sim pequenos clãs, em flagrante retrocesso ao nosso passado social. Não fazemos a vida certa, não nos movem bons sentimentos. Denunciar que a religião que decidiu por milênios o que devemos pensar, fazer e dizer, agora vem querendo decidir até a quem devemos aplaudir, gostar e até votar.
Mas de que vale ficar lembrando essas coisas em pleno Natal, se a vida é como um ovo de páscoa, recheada de delícias?
Feliz Natal a todos, tentem ser felizes, apesar de.
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