Enganado e invadido
Fui tapeado pela companhia de TV paga, que me ofereceu dois pontos e entregou apenas um
Fui tapeado pelo vendedor de uma companhia de TV paga, que me ofereceu dois pontos e entregou apenas um. Mas, seduzido pelos filmes e shows, já não sei se quero cancelar o serviço
Passei maior sufoco dias atrás. Meu filho Renato, 14 anos, todo entusiasmado, apareceu com um panfleto da SKY para televisão paga. Forçava, mas cabia dentro de meu orçamento. Cerca de R$ 54 mensais, fora antena e componentes. O moleque quase me arrastou para ver de perto.
O vendedor veio cheio de sorrisos. Como é bom ser bem tratado, relaxei e escutei. Começou apresentando planos mais caros. O plano que me interessava era chamariz. Fui descartando sistematicamente. De repente, seus olhos brilharam. Perguntou a Renato quantas televisões havia em casa. Três, com a minha. Então surgiu o plano mágico. Dois pontos, um para a minha e outro para a televisão dos meninos. Preço salgado: cerca de R$ 80 mensais. Os olhos de Renato saltaram no espaço. A prudência lançava alertas, mas gostamos e havia Jorlan, meu filho mais novo, que é fascinado por desenhos. Racionalizei: depois me viro e pago.
Nem olhei muito para o contrato. Havia pontos estranhos. Cobrava mais R$ 10 mensais de taxa de manutenção. Estava pagando pela garantia do produto vendido? Não era venda, afirmou, e sim comodato. Não aceitei e excluí. O pagamento da primeira mensalidade seria no ato da compra. Então era pré-pago? Não era, afirmou. Estava pagando o modem? Não, o modem não seria pago. Mas por que pagamento antecipado? O sujeito não soube explicar. Achei que meus garotos mereciam e, confesso, estava encantado pela possibilidade da TV por assinatura. Acesso a trocentos filmes, shows, entrevistas, documentários...
Dia seguinte vieram os técnicos. O encarregado perguntou quantos pontos: dois. Organizou seu material, furou paredes e foi instalando rapidamente. Só então foi ler a autorização de instalação. Era um ponto só e não dois. Com certeza havia engano. Deixou o telefone da SKY e o dele. Desfeito o engano, ele voltaria imediatamente para colocar o outro ponto.
O contrato, esclareceu a atendente, era mesmo somente para um ponto. Para dois pontos o preço era quase o dobro. Fora de minha realidade. Vivo com muita luta. Sigo a maré como quase todo mundo, economizando e sobrevivendo. O vendedor havia me enganado. Não, então eu não queria mais. Claro, disse a atendente, só que havia multa contratual. Cerca de R$ 527. Dei pulo. Fora enganado e ainda teria que pagar pelo logro? Havia algum engano. Não, nenhum engano. Estava no contrato que eu assinara.
Enxotado como um cão
Desliguei e fui ao sujeito que me lograra. Cheguei falando alto. O local é na frente da loja de doces Maringá, em Taboão da Serra. O vendedor ouviu e, na cara de pau, respondeu que havia me vendido apenas um ponto. O sangue subiu à cabeça. Aguentei firme e falei mais alto para aliviar a pressão.
As pessoas que faziam compras nos rodearam, ansiosas para ver o circo pegar fogo. O gerente se aproximou. Relatei os fatos e avisei: aquele indivíduo estava enganando as pessoas na porta de sua loja. O gerente chamou o segurança. Expliquei mais uma vez para que todos entendessem. O sujeito tornou a dizer que havia vendido apenas um ponto.
Fui para cima. O segurança me conteve e foi me levando para fora da loja, segurando pelo braço. Parei e exigi que tirasse suas garras de cima de mim. O sujeito ainda tentou me dominar, mas, sentindo minha resistência dura, soltou. Tudo bem, afirmou alterado, se queria encrenca, havia encontrado. Consciente, respondi que estava defendendo meus direitos. O homem sacou o celular e digitou. Perguntei se estava ligando para a polícia. Respondeu, com todas as letras, que ele era a polícia. Mais um policial fazendo bico de segurança. A lei não permite. Mas fui me retirando, mesmo sendo a vítima.
Saí humilhado. Meu dinheiro é fruto de trabalho. O sujeito me enganou, e já havia sido descontado o pagamento do primeiro mês. O servidor público pago para me defender ajudou o sujeito que me enganou e me enxotou da loja como a um cão, aos empurrões. É por isso que existe a lei que proíbe policial de fazer “bico”: fica incompatível. O que fazer? Os dias foram passando, os filmes e shows me encantando e, agora seduzido, nem sei se não quero mais. Terrível admitir, mas fui invadido.
*Luiz Alberto Mendes, 56, é autor de Memórias de um sobrevivente, sobre os 31 anos e 10 meses que passou na prisão. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com