Em nome da honra
A nobreza e a moral que admiro e louvo estão naqueles que buscam ser superiores a si mesmos a cada momento de suas vidas
Ao pensar no Japão, automaticamente penso em honra e disciplina. Para os japoneses, como para mim, a dor é menos importante do que o orgulho – segundo o código dos samurais, o Bushido, a honra, o orgulho pessoal e a moral são as atitudes mais valorizadas em um homem correto. Tenho profunda admiração por esse povo com valores tão diferentes dos nossos. Aqui, morrer é uma desgraça; as pessoas choram, ficam tristes e sofrem quando um ente querido se vai. Mas é muito mais pela falta que essa pessoa fará na vida dos que ficam do que pela pessoa morta em si. Por lá, morrer é coisa mais simples, chega a ser celebrada.
Há até quem se mate praticando o seppuku [mais conhecido no Ocidente pelo termo haraquiri]. A ação drástica não é vista como uma fraqueza moral, praticada por um cara que é limitado, louco ou não suporta mais a vida. É sempre por uma questão de honra e ninguém fica com dó, achando que ele fez besteira ou algo parecido. Todos o respeitam. Não é incomum um político de lá que tenha sido pego em flagrante de corrupção cometer o seppuku, um caminho para evitar que o seu erro recaia sobre a sua família.
Não há como comparar, a cultura deles é milenar. Mas eles nos escolhem quando decidem deixar o próprio país; é sabido que o Brasil tem a maior colônia japonesa do mundo.
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É um povo bastante diferente do nosso. A maioria já nasce budista, ciente de que teve outras vidas, de que nada se encerra na morte física. Com esse princípio, encaram a vida como uma escola de evolução. São perfeccionistas, delicados e extremamente sutis em sua arte, que muitas vezes combina a natureza a pensamentos filosóficos.
Colou, tá novo
Por causa dessa forma de agir e pensar, dão enorme valor ao belo e ao antigo. Emendam com solda de ouro xícaras e louças antigas que se quebram; agregam valor a algo que havia se desvalorizado, como se lhe dessem uma vida nova, exuberante, bonita e muito valorizada. Fazem dos cacos uma peça de arte, um tesouro de família.
Acredito que eles valorizam algo que nós, brasileiros, ainda não valorizamos: as raízes. Somos um caldeirão genético de múltiplas raças, mas temos pouca relação com nossas raízes. Lembram dos kami-kazes, japoneses que se lançavam com aviões de tanque cheio contra os navios dos Aliados na Segunda Guerra Mundial? Uma bomba guiada por um sujeito que sabia que seria despedaçado. E faziam isso pelo país. Eram sujeitos dispostos a morrer pelo imperador e, nesse ato, fazer o máximo estrago aos inimigos. Afundaram vários navios e colocaram o oceano Pacífico em pânico, além de terem feito os americanos entenderem o quanto seria difícil invadir o Japão. Provavelmente teria sido uma guerra sangrenta de porta em porta. A poderosa honra e a disciplina dos japoneses eram superiores às dos americanos, embora estes tenham ganhado a guerra. E foi por isso que a bomba atômica foi aprovada, uma covardia que matou milhares de japoneses.
Sou admirador do sentido de certas palavras, e a que me é mais cara é “honra”, que eu associo imediatamente ao Japão. Eu me apaixonei pelo termo e seu sentido, de nobreza e moral, na prisão. O código dos prisioneiros não está escrito – mas complexo! –, e eu o estudei a fundo. E pior: quis ser um homem honrado, de nobres ideais, atuações e cheio de moral, mesmo estando preso. Eu nem acho que consegui ser um preso exemplar, mas, aqui fora, acredito que estou indo bem.
Créditos
Imagem principal: OBRA BARRÃO / FOTO JULIO CALLADO
OBRA BARRÃO (ORIENTE, 2008. PORCELANA E RESINA EPÓXI. 36 X 40 X 40 CM) FOTO JULIO CALLADO