Falei algumas vezes sobre ansiedade neste espaço e a resposta dos leitores foi bem acima da média. Aparentemente, muita gente já percebeu que não são a poluição nem a violência ou o desemprego os maiores vilões da sociedade consumista que criamos e na qual estamos inseridos. A idéia de que não somos e não temos tudo o que poderíamos tem matado gente por atacado, disfarçada de enfartos, tumores na próstata e outros horrores.
Fazendo mais uma vez o papel de ‘media broker’, garimpando no lixão da mídia as pepitas perdidas ao acaso, trago mais uma vez uma carta enviada pelo profissional de comunicação Ricardo Guimarães. Para quem se interessar, seu e-mail é ricardo@guimaraes.com.br.
Aí vai:
‘Caro Paulo, urgente!
Não quero ser alarmista, mas precisamos fazer alguma coisa rápido para aliviar a pressão que paira sobre a vida das pessoas. Falta de tempo, excesso de informação, futuro incerto e uma compulsiva necessidade de se divertir/distrair.
Tenho a sensação de que a sociedade está grávida de uma nova sociedade. Daí a pressão. A ansiedade e as dores do parto estão aí. Dor física mesmo, de sentir rasgar entranhas.
Eu imagino nosso nascimento: na barriga da mãe, a gente pronto para nascer, não cabendo mais ali e tendo de abandonar o conforto e a segurança daquela barriga quentinha e conhecida. Aquele lugar gostosinho não serve mais para o nosso tamanho, o conforto começa a virar desconforto nos pressionando em direção ao desconhecido, paradoxalmente, em direção à luz, à vida. É uma luta entre a vida e a morte e a morte é o conforto do conhecido. Sem chance, quero o conforto da escuridão, mas a luz me espera, como combinado. A pressão é forte. O processo expõe nossa incompetência. Não sabemos sequer respirar por conta própria. Quando puxamos o ar para dentro, tudo arde, queima tudo. Não é bom mas é necessário. Vai piorar antes de melhorar.
Do mesmo jeito, a velha sociedade industrial está parindo a sociedade do conhecimento. A pressão que estamos sentindo é pressão do nosso crescimento contra a parede da barriga da mãe. Não é a parede nem a mãe que nos pressiona, mas nosso crescimento.
Não cabemos mais nos modelos e nos padrões da sociedade industrial.
Nós crescemos e não podemos mais continuar na pobreza e na prisão dos parâmetros mecânicos da previsibilidade e da reprodutibilidade.
Somos humanos, criativos, únicos e surpreendentes.
Nosso crescimento pede uma liberdade que nunca experimentamos. E por mais desejada e necessária que seja, vem acompanhada de dor, muita dor, como o ar que respiramos pela primeira vez e nos queimou inteiro por dentro.
Precisamos aprender a nascer.
A dor maior que percebo é naqueles que já estão prontos para nascer e não conseguem se livrar da imaturidade confortável da escuridão.
Para nascer é preciso escolher entre a vida e a morte com a determinação de quem sabe que a morte é a não aventura, é a segurança, o conforto, a não dor.
(Outro dia fui buscar minha filha Sílvia, vitoriosa, na final do Elf Authentique Aventure 2000, em São Luiz do Maranhão, que a Trip cobriu na edição passada. No rosto dos participantes eu vi a alegria de quem escolheu a aventura da vida. Uma emoção simples e verdadeira, transformadora. Minha filha cresceu anos em alguns dias de prova.) Infelizmente, a velha sociedade industrial não é a mãe amorosa que ajuda a gente a nascer. E não adianta fazer cesariana porque é o esforço de nascer que nos capacita a viver.
Paulo, se a metáfora da gravidez está valendo, acho que eu sei o que podemos fazer para aliviar a pressão do crescimento. É nascer. É se concentrar, reunir forças e se lançar na direção da luz, do conhecimento, da maturidade; mesmo porque não temos alternativa. A escolha já foi feita. A questão é só de delivery. A vida nos espera, meu querido amigo. Have a nice trip.
Ricardo’