Dono do destino
Fala sobre culpa
Mesmo aqui preso, condenado, ao olhar no espelho, sinto que estou melhor do que muita gente aí fora. Num certo sentido, claro. Nada do que sei me basta. Tudo que imagino haver acumulado em mais de 50 anos de vida faz pouco vento. Mas aprendi uma coisa ou outra. Uma das mais importantes é que não posso acusar ninguém de nada.
Escuto as pessoas, e parece que todo o mundo tem que odiar alguém. A mulher acusa o homem de machista, até de "porco chauvinista". O homem contra-ataca dizendo que a mulher é maníaca por compras. Ele nem sabe pra que tanta roupa. Juntos, criticam os filhos que querem um tênis de R$ 500. Julgam absurdo calçar o pé com mais de dois salários mínimos. Esse tipo de gente sempre está à procura de um culpado para cada coisa que acontece. Os ricos, os patrões, os violentos, a polícia, os ladrões, os traficantes. Até nós, presos, somos acusados. Nós, que já não podemos fazer mal a ninguém, a não ser a nós mesmos, pássaros sem asas e mudos que somos.
O dedo que acusa
De repente, todos parecem ter culpa por tudo. O mundo é tomado por uma tristeza vazia, e a sensação é que um cabo de aço grudou na gente como esparadrapo. A opressão é geral. Comungamos e contabilizamos culpas. Ninguém mais é inocente. Estamos condenados à culpa só pelo fato de estarmos vivos.
Sinto como se tivesse um paralelepípedo engasgado na garganta. Passo horas pensando, com os lábios secos e amargos. Nu até os ossos, tento chegar à impossível realidade. Parece uma febre persistente, que quer nos aniquilar. A dor comprime o coração. Aí, atacamos os outros. Sempre são eles os culpados. Eu, ao contrário, não odeio ninguém. E olha que teria mais razões que a maioria das pessoas para odiar. Já me fizeram sofrer muito em mais de 30 anos de prisão. Alguém duvida? Não acuso ninguém de nada. Não condeno ninguém por nada. A não ser a mim mesmo. Por tudo.
Eu que me levei a ser o que sou (ou fui) e a estar onde estou. Sinto-me plenamente responsável por tudo o que me aconteceu, acontece e acontecerá. Sou dono do meu destino. Faço hoje meu amanhã. Estou convicto disso. Foi o que de melhor a vida me ensinou. Enquanto coloco a culpa nos outros, não posso resolver meus problemas. A culpa nos outros não está acessível, não permite que eu tome nenhuma iniciativa. Só quando assumo como minhas as culpas de tudo o que me atinge, me torno capaz de absorvê-las. Se estiver nos outros, como vou resolver o problema? Eu só posso comigo.