Diversidade Já
Ronaldo Lemos: Todo processo de decisão democrática deve buscar participação pública
Todo processo de tomada de decisão democrática no Brasil deve buscar a ampla participação pública. São decisões importantes demais para ficarem só nas mãos de especialistas e políticos
Quer fazer uma lei nova que seja boa, justa e efetiva? Que tal então chamar um grupo de renomados especialistas que saibam tudo a respeito da área a ser regulamentada pela nova lei? Eles podem se reunir quantas vezes forem necessárias em uma sala fechada e debater exaustivamente qual seria o melhor texto a ser escrito. Essa parece ser uma boa solução. Mas não é a ideal. Um livro – cuja leitura é essencial para quem quer pensar processos políticos e decisórios – defende um caminho bem diferente da ideia do “grupo de especialistas”. Trata-se da obra A diferença: como o poder da diversidade cria melhores grupos, empresas, escolas e sociedades, de Scott E. Page. O argumento do livro é simples (ainda que sua demonstração seja complexa): a diversidade ganha da especialidade.
Em outras palavras, grupos diversos de pessoas que vão muito além dos especialistas tomam decisões melhores do que grupos relativamente homogêneos. Diversidade, aqui, se aplica em todos os sentidos: racial, cultural, econômica, religiosa, sexual e assim por diante. Com isso, se a ideia é fazer uma boa lei, o resultado será melhor se essa tarefa for distribuída não apenas a um grupo fechado (de especialistas ou de políticos), mas também a grupos diversos de pessoas, incluindo aquelas que aparentemente não entendem ou não sabem nada sobre o assunto a ser regulado. A contribuição dessas pessoas por fora, que muitas vezes são riscadas do processo decisório, é especialmente importante.
Vários são os exemplos de aplicação dessa premissa. Estive envolvido pessoalmente com um deles. Trata-se do processo que foi criado para redigir o Marco Civil da Internet. Independentemente do que aconteceu com o texto depois no Congresso, sua redação original foi um exemplo de fórum híbrido e diverso para a redação de uma lei complexa. Teria sido muito mais fácil chamar um grupo de especialistas. Mas o que aconteceu foi um amplo processo de colaboração por meio da internet. Dele participaram, lado a lado, empresas, governo, terceiro setor, usuários, programadores e interessados de modo geral. Isso enriqueceu o debate com pontos que não seriam captados só por especialistas. E contribuiu para um texto muito mais sofisticado.
CÓDIGO PENAL
Com a tecnologia, esse tipo de experiência não deveria ser exceção, mas, sim, a regra. O país vem reformulando textos legais fundamentais que afetam a vida de praticamente todos os brasileiros. Por exemplo, a reformulação do nosso Código Penal, que é um dos pilares da vida social. São oportunidades de promover esse tipo de diversidade de contribuições. Por exemplo, enfrentando a questão do racismo e da desigualdade, refletida na população carcerária. No Rio Grande do Sul, por exemplo, negros são 12% da população, mas 40% da população carcerária. Especialistas provavelmente diriam que esse não é um tema a ser enfrentado pelo Código Penal. A participação de grupos mais diversos no processo, no entanto, poderia chegar a outra conclusão e tratar do problema logo na raiz, enfrentando a questão inegável de que a lei trata alguns grupos sociais de forma distinta de outros.
Por tudo isso, não há mais desculpas. Todo processo de tomada de decisão democrática hoje no Brasil deve buscar a ampla participação pública, valendo-se, para isso, da tecnologia e de outras formas de acesso. Isso aumenta a legitimidade do resultado. Afinal, muitas decisões são importantes demais para ficarem só nas mãos de especialistas ou políticos.
*Ronaldo Lemos, 37, é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu Twitter é @lemos_ronaldo