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Enquanto a crise mundial faz o mundo tremer, nova moeda sem pátria vira febre na internet
Enquanto a crise mundial faz o mundo tremer, uma nova moeda sem pátria vira febre na internet. Sem bancos centrais ou instituições financeiras tradicionais por trás, o bitcoin dá pistas do que, um dia, poderá ser uma outra economia
Paulo Filippus precisava comprar acessórios para seu computador. Entrou no site da empresa americana Cablesaurus e fez a aquisição. A encomenda chegou pelo correio, em sua casa em Blumenau, dias depois. A transação não envolveu dólares, reais nem o pagamento de impostos para governos ou taxas para bancos. Ela foi feita com bitcoins (BTCs), uma moeda sem pátria que corre na internet e rapidamente tem se difundido em menos de três anos de existência. Essa moeda sem cara é aceita para pagamentos online em centenas de estabelecimentos em todo o mundo, incluindo restaurantes em Nova York, pousadas na Itália e empresas de tecnologia na Rússia. Organizações como o WikiLeaks, que sofrem o bloqueio de grandes corporações financeiras como Visa e Mastercard, recebem doações com o dinheiro alternativo. No Brasil, mais de 500 usuários possuem carteiras virtuais recheadas de bitcoins, embora nenhum estabelecimento aqui aceite o pagamento com eles.
A criação do bitcoin, em 2009, é cercada de mistérios. Seu inventor, um programador chamado Satoshi Nakamoto, possui um nome banal no Japão, algo como José da Silva no Brasil. “Ele nunca apareceu em público e, após um tempo, sumiu da internet. Especula-se que seja apenas o pseudônimo usado por um dos desenvolvedores – boa parte deles americanos – que colocaram o sistema para funcionar”, explica Leandro César, criador de um grupo de investimentos em bitcoins no Brasil e principal divulgador da moeda no país. Satoshi publicou uma tese na internet na qual defendia a criação de um sistema monetário virtual global que funcionasse sem a interferência de bancos ou governos. Por meio dele seria possível fazer transações diretamente de uma pessoa para outra, sem passar pelas instituições financeiras. Num momento em que grandes corporações financeiras e especuladores são apontados como os vilões responsáveis pela crise mundial, um sistema sem bancos comerciais por trás rapidamente ganhou seus adeptos.
O sistema do bitcoin funciona de maneira descentralizada. As transferências de moedas são feitas diretamente de um computador para outro, numa rede que funciona ponto a ponto (peer-to-peer). Segundo os entusiastas, uma das principais vantagens em relação às moedas tradicionais é que o bitcoin permite transferir dinheiro para qualquer lugar do mundo sem o pagamento das tradicionais taxas ou impostos. E mais do que isso... de maneira secreta, sem deixar rastros. Uma das características do bitcoin é o anonimato. Quando fazemos uma compra com cartão de crédito, nossa identidade é registrada no sistema. No caso do bitcoin não. Não é necessário informar os dados pessoais para fazer parte da rede. A propriedade e a transferência de valores podem ser feitas sem a identificação do nome do usuário, já que os endereços das contas são formados apenas por uma sequência de letras e números. Utilizando tecnologia TOR, a mesma criptografia que o WikiLeaks usa para driblar as agências de inteligência do mundo, rastrear transações pode ser virtualmente impossível.
Normalmente são os bancos centrais os responsáveis por emitir e assegurar a validade das moedas em circulação. No caso do bitcoin, não há um emissor centralizado. A moeda é gerada coletivamente por computadores interligados pela internet. O sistema fabrica dinheiro novo e distribui aos usuários. “A rede solta um desafio matemático que os computadores tentam decifrar por tentativa e erro. Quando acertam, ganham bitcoins. Esse estranho processo de esforço cibernético chama-se mineração. A cada 10 min é liberado um bloco de 50 BTCs”, explica Leandro.
Segundo ele, só computadores muito potentes, com grande capacidade de processamento, conseguem dragar esse ouro digital. PCs comuns podem levar até 15 anos para garimpar 50 BTCs. “Geralmente são geeks que se dedicam à mineração. A maioria das pessoas adquire a moeda em casas de câmbio na internet, onde é possível comprar BTCs com dólares, euros ou reais. É a forma mais fácil de consegui-los”, diz. O sistema prevê que se atinja um total de 21 milhões de BTCs por volta de 2025. Hoje existem 7,5 milhões de BTCs em circulação.
Atividades ilícitas
Como qualquer moeda, o bitcoin depende do reconhecimento das pessoas para ter valor, assim como ocorre com uma nota de R$ 1. “A nota é só um papel. Ela não tem valor em si. Para que tenha valor ela depende da confiança que as pessoas depositam em quem a emite”, explica o professor de economia da PUC-SP Ladislau Dowbor. No caso das moedas tradicionais são as riquezas do país que dão lastro a elas e são os bancos centrais que as emitem. No caso do bitcoin, essa autoridade central não existe. E seu câmbio é extremamente flutuante.
Desde que surgiu, o bitcoin sofreu altos e baixos de valor, fruto da variação na demanda. No começo deste ano era comprado por U$ 0,30 de dólar. Em junho, chegou a ser cotado em US$ 30. Em outubro, caiu para US$ 4. A alta de junho ocorreu depois que o senador americano Charles Schumer fez um discurso defendendo a proibição do uso de bitcoins, que seria um instrumento para atividades ilícitas. Segundo ele, a moeda estava sendo usada para comprar drogas num site chamado Silk Road. No lugar de reduzir o interesse pela moeda, a fala do senador provocou o efeito contrário. “As pessoas ficaram curiosas e foram atrás dos bitcoins, e foi nesse momento o valor chegou a US$ 30”, diz Leandro. Foi a partir daí que a moeda ganhou notoriedade e seu uso se difundiu.
Com o aumento do uso da moeda, os casos de roubo não demoraram a aparecer. Em junho, um usuário declarou que seu computador foi hackeado e o equivalente a US$ 500 mil em BTCs foram roubados de sua carteira digital. Devido às características do sistema descentralizado e sem uma autoridade monetária por trás, não havia a quem recorrer e nem como rastrear o destino do dinheiro roubado. Por causa de casos como esse, especialistas apontam que em algum momento o sistema terá que ser alvo de regulação. “O bitcoin é uma inovação, acho que veio para ficar. Mas, à medida que o uso dele ganhar escala, terá que ser regulado de alguma forma”, afirma o economista Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O grande desafio que se coloca é como regulamentar um sistema que nasceu justamente com o propósito de funcionar sem fronteiras e sem a mediação de governantes ou banqueiros.
Na avaliação de Ladislau e de Pochmann, moedas informais como os bitcoins não vão substituir por completo moedas oficiais como o real, o dólar ou o euro, mas são uma importante e necessária alternativa. Novas formas de troca de dinheiro e de financiamento que saiam do sistema tradicional são fundamentais em um mundo em profunda crise e transformação. “É preciso reduzir o espaço da figura do intermediário financeiro, que ganha rios de dinheiro com juros, tarifas, e a especulação, que desorganiza a economia, porque os recursos giram no vazio e não fluem para o que é útil. Cada vez mais tecnologias como a internet permitem o contato direto entre as pessoas e tornam inútil o intermediário”, diz Ladislau. Os bitcoins são apenas uma prova disso.
Resumindo:
Como entrar na rede? Basta instalar no computador um programa disponível no site: http://bitcoin.org. A partir daí você ganha um endereço para fazer suas transações financeiras.
Como obter BTCs? O mais fácil é comprá-los em casas de câmbio na internet que trocam dinheiro tradicional por BTCs. A maior delas é a MT Gox. Para criar novos BTCs, é preciso baixar um programa de computador que faz um processo complexo chamado de mineração. Seus BTCs ficam disponíveis em uma carteira digital, anônima.
Como fazer compras? A partir de sua carteira, você digita o endereço do estabelecimento onde quer comprar e faz o depósito. Neste link há uma lista dos lugares que aceitam a moeda. Boas compras!