Dias de luta
Até que enfim as pessoas estão começando a rejeitar este mundo miserável
Até que enfim as pessoas estão começando a rejeitar este mundo miserável, violento, corrupto e desigual em que estamos obrigados a viver. Provavelmente nosso país esteja no tempo das contradições em que se processa o parto do amanhã
A Controladoria Geral da União demonstrou que 73% das prefeituras do país fraudaram licitações para a compra do material escolar de 2011 a 2012. São 5.570 prefeituras no país; aproximadamente 4.066 municípios fraudaram a verba destinada à educação de nossas crianças. Será que existe espaço nas prisões para caber toda essa gente que participou de tais roubos? Sim, porque fraudar é roubar e quem rouba, consta no contrato social, deve ser processado, condenado e preso. Ou estou enganado? Pelo menos comigo foi assim. Então acho que não estou sendo ilógico ao pensar que, com os demais cidadãos que infringem as leis, ocorra o mesmo.
O mundo que eu queria ver surgir só pode nascer de dentro da barriga deste nosso mundo brutal do aqui e do agora que vivemos. O processo só pode ser dialético; de dentro do velho aparece a contradição que vai bater de frente com o antigo e desse confronto nasce o novo. Até que enfim as pessoas estão começando a rejeitar este mundo miserável, violento, corrupto e desigual em que estamos obrigados a viver. Provavelmente nosso país esteja nesse tempo de contradições em que se processa o parto do amanhã. Creio que estamos gestando a primeira condição para o surgimento de algo novo; quando as pessoas não renunciam ao pensamento e a suas consequências. Um mundo onde não se permita que a mídia, o marketing, as doutrinas políticas e religiosas pensem por nós. São máquinas de produzir ideias, destituídas de humanidade.
Não sou capaz de abranger todas as necessidades de mudanças em nosso país para que se pareça com o mundo que quero ver surgir. Então me restrinjo à educação, que é a área onde milito e atuo. Quero ver surgir, e aqui vai como um brado retumbante, um país em que nós, adultos, tenhamos a coragem e a dignidade de fazer com que as crianças estejam sempre em primeiro lugar.
Para tanto, educação e cultura devem ser incluídos nos direitos efetivos da criança. Então, as escolas devem se revestir de um ambiente muito mais agradável e sadio. Os professores devem ganhar um salário digno, que os incentive a produzir mais aprendizado e conhecimento. A direção das escolas não seria mais formada por “cargos de confiança” decididos pela política e sim por cargos definidos por méritos e alta qualificação. As Secretarias de Educação dos municípios, estados e o Ministério da Educação seriam ocupados pelas pessoas mais qualificadas no país dentro do campo da educação. Verba, respeito, amor e direcionamento social para a educação da infância teriam que vir sempre na frente e até em sacrifício de tudo o mais.
Japão e Alemanha
Estou falando sobre o óbvio, não é mesmo? Isso já foi dito inúmeras vezes, por n pessoas muito mais qualificadas do que eu. Concordo. Mas veja: mesmo sendo tão óbvio, o que a maioria (73% é maioria, ou não?) das prefeituras está fazendo com a verba dirigida para o material escolar é fraudar. E fraudar onde a verba é mais necessária. Essa gente não está fraudando apenas o Estado, está roubando as nossas crianças. Essas pessoas estão roubando do país o que há de mais fundamental: é com o que essas crianças aprendem hoje que será construído o futuro da nação. Suas penas deviam ser aumentadas só por essa tremenda agravante. É imenso o prejuízo que causam ao país.
Vale a pena lembrar países destruídos, arrasados pela Segunda Guerra Mundial (com duas bombas atômicas e cidades queimadas até seus alicerces), como o Japão e a Alemanha. Poucas décadas depois já retornavam às suas posições de economias mais importantes do planeta, onde se mantêm até hoje. Não houve mágica. São nações de culturas milenares e fizeram apenas o óbvio: investiram massivamente na educação de suas gerações seguintes.
*Luiz Alberto Mendes, 60, é autor de Memórias de um sobrevivente. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com |