De surfistas a sufistas

Se fosse um dançarino, a Trip seria um giro sufi, que roda em volta de si mesmo

por J.R.Duran em

Se fosse um dançarino, a Trip seria um daqueles do giro sufi, que rodam em volta de si mesmos com um braço levantado para os céus e outro em direção à terra para encontrar o eixo

Quanto tempo é necessário para provar que uma ideia é boa? Depende. Ainda mais quando a ideia não é tangível, palpável, nem fácil de vender. Quando por trás dela existia apenas um par de rapazes tentando vender o que acreditava sem saber muito bem o que isso era. Tentando provar que era possível fazer uma revista com cabeça, tronco, extremidades e, acima de tudo, alma. Vinte e cinco anos atrás, o conceito de uma revista que falasse de surf – e de um estilo de vida que soubesse contemplar o que acontecia ao seu redor – de uma forma equilibrada podia parecer tão amplo, raro e desconexo quanto entender o que é um átomo ou um nêutron. Uma viagem. Uma Trip.

Com a paciência de um cacique índio, Paulo Lima – acompanhado de seu fiel pajé Califa – construiu durante esses anos uma teia de ramificações e conexões entre conceitos de todos os tipos que apenas procuram uma coisa: dar sentido ao que não faz sentido, dar equilíbrio ao que não parece tê-lo, aprender contemplando e observando o que acontece ao redor. Porque, não se engane, meu caro leitor, tudo o que precisa ser entendido está em algum ponto em volta da gente, é só ter a capacidade de enxergar e entender. É apenas (apenas?) isso que a Trip propõe.

Se a Trip fosse um dançarino, acho que seria um daqueles do giro sufi, que rodam em volta de si mesmos com um braço levantado para os céus e outro em direção à terra, com a cabeça inclinada para a direita e o rosto para a esquerda, para encontrar o eixo. A revista é uma parabólica à procura de ideias e respostas.

Uma boa ideia

O mais interessante de tudo é que o ponto de partida, o núcleo físico dessa fissão, continua sendo a revista. E não só o papel (1) é a plataforma que sustenta todas as outras como dentro dela a estrutura não muda (2). O logotipo, por exemplo: poucas revistas no mundo podem se orgulhar de ter atravessado um quarto de século quase sem ter alterado o logo, a marca (3).

O conceito da Trip, a revista, ultrapassa qualquer tendência digital, qualquer aplicativo, qualquer “nuvem” na internet. Porque o que as pessoas esquecem é que, antes de tudo, o que se precisa para ir em frente é uma boa ideia. No caso, uma convicção, um sonho, que já dura 25 anos. Nada mau. Mesmo porque já faz muito tempo que a ' não tem que provar nada para ninguém.

(1) Curiosamente, a expressão “qual é seu papel?” vem de tempos em que, se não estivesse escrito no papel, não tinha validade.
(2) Internet, revistas customizadas, reconhecimento aos transformadores. O programa de rádio começou dois anos antes da revista.
(3) O logo original da revista Trip, com suas letras dançantes e interconectadas, foi criado por Rafic Farah sem ajuda de nenhum programa de computador. Rafic é um verdadeiro homem multicoisas; diretor de arte, designer gráfico, cineasta, arquiteto, filósofo, bon-vivant, fotógrafo, cenarista e professor da Escola da Cidade, não necessariamente nesta ordem. É autor do livro Como vi: O design de Rafic Farah (Cosac Naify, 2000).

*J. R. Duran, 55, é fotógrafo e escritor (www.twitter.com/jotaerreduran)

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