De grão em grão
Digiácomo Dias mapeia as maiores dunas do mundo e procura novos limites para o sandboard
Quando Digiácomo Dias resolveu dropar as sete maiores dunas do mundo encontrou um problema. Esse levantamento não existe. Melhor ainda. O sandboarder achou um motivo para rodar o mundo: fazer o mapeamento inédito que vai estabelecer um novo limite para as futuras gerações do surf de areia
Digiácomo tem certa inveja dos alpinistas. Um ciúme recente, que começou com uma simples folheada de revista: o suficiente para ele pensar em novos rumos para o sandboard. Bastou ler uma reportagem sobre as sete maiores montanhas do mundo, consideradas um desafio pelos escaladores, para um ponto de interrogação enorme pairar sobre sua cabeça. Por que os sandboarders não conhecem as dunas mais altas do planeta? Aliás, como até hoje ninguém tem essa informação? Resolveu garimpar as sete quedas mais longas e radicais que o sandboard pode oferecer. Mais do que isso, ele iria encontrar, medir, catalogar e, principalmente, dropar os paredões de areia espalhados pelo globo. “Quero que seja um desafio para as futuras gerações de sandboarders, um limite a ser rompido, assim como já existe nas montanhas.”
OK. Mas convenhamos: encontrar sozinho os sete picos de areia mais altos não é exatamente simples. Digiácomo, contudo, tem suas artimanhas. “Me baseio nos depoimentos dos próprios nativos, pessoas que às vezes nem praticam sandboard. Conheço muita gente lá no Peru que trabalha para mineradoras, que explora muito o deserto atrás de minas. E eles sempre me passam informações sobre as maiores dunas que encontram. Tenho contatos assim também no Chile, na África... em todo lugar”, explica. “Algumas vezes vou pessoalmente conferir, outras vezes pelas fotos já percebo que não é tão grande.” As dicas também chegam via Facebook ou Google Maps.
E, por falar em Google Maps, não seria mais prático usar mapas de altimetria nessa garimpagem? Não exatamente. “Tem gente que me pergunta isso, dizem que eu não preciso fazer essas viagens, que conseguiríamos as altitudes pelos mapas. Mas não é assim tão preciso, não dá pra fazer uma expedição via internet. Tem que ir conferir, medir e, principalmente, dropar”, contesta. De fato, pelo computador ninguém sente a adrenalina de deslizar a 70 km/h em dunas com 1.000 m de altura. Além disso, Digiácomo quer ter a medição mais precisa possível, na base do metro a metro. E, para isso, tem que literalmente afundar o pé na areia, ali ao vivo. “Uso um altímetro e um GPS para medir. Levo os dois equipamentos pra conferir se batem os números. E só considero a parte em que se pode praticar sandboard. E registramos também o tempo de descida.”
Dois minutos de prazer
Assim Digiácomo, aos 29 anos, já com três títulos mundias no currículo, começou a epopeia das sete dunas no meio do ano passado. Em alguns meses fez medições nos Estados Unidos, no México e no Chile. Mas, de relevante, só catalogou a duna de Medanoso, no país sul-americano, com 510 m livres para deslizar. Vale lembrar que ele sempre busca dunas fixas, que não variam muito de tamanho com os ventos. No Brasil são comuns as chamadas dunas móveis, que variam muito de altura e formato conforme os ventos. Digiácomo, que vive em Florianópolis – nasceu em Santo André –, sabe bem disso. E acredita que por aqui não temos dunas que alcancem os 200 m.
Alguma intimidade com os paredões de areia Digi já tinha antes mesmo de pensar em sua expedição. Foi o primeiro brasileiro a descer o Cerro Blanco, considerada a maior duna do planeta. São, estima-se, 1.200 m de altura – o equivalente a três morros do Pão de Açúcar empilhados. “Na época ela era bem pouco explorada, ninguém sabia a rota correta para subir. Fizemos um caminho que hoje jamais repetiríamos. Caminhamos uma hora e meia pelo deserto até chegar à base da duna. Depois levamos mais umas cinco horas para chegar ao topo. A cada três passos pra cima descíamos dois escorregando”, lembra. As horas de subida se resumiram em minutos de descida. Para ser mais exato, foram 2 min e 20 s ladeira abaixo. Parece pouco? “Estamos acostumados a dunas aqui no Brasil em que a descida dura 15 s! Lá passa 1 min, com uma velocidade gigante, e você não chegou nem na metade ainda. É adrenalina pura!”
“Quero que seja um desafio para as futuras gerações de sandboarders, um limite a ser rompido, assim como já existe para os alpinistas”
A mesma adrenalina o sandboarder sente quando está voando com a manobra que o tornou conhecido: o double frontflip. Acrobacia que, ao que se sabe, hoje é executada por ele e ninguém mais. Digiácomo foi o primeiro cidadão no mundo a completar os dois giros mortais para a frente na areia, há dez anos. De lá pra cá outras pessoas até alcançaram o feito, mas se machucaram. “Conheci dois atletas no Nordeste que acertavam, mas pararam de andar de sandboard depois que se lesionaram nessa manobra. Um outro migrou para o kitesurf. Eles queriam fazer o tempo todo, e essa não é manobra pra qualquer situação.”
Digiácomo mesmo só arrisca os giros quando em campeonatos. Pretende tentar agora no meio do ano, no mundial que vai acontecer no Egito. Aliás, já vai aproveitar a viagem para seguir sua busca. Vai fazer medições por lá e, ainda em 2011, quer ir também à França, onde dizem estar a maior duna da Europa, e à Namíbia, país que guarda os mais perfeitos montes de areia do Saara. Nesse ritmo ele acredita que vai precisar de uns três anos até apresentar aos sandboarders as sete maiores ladeiras a serem dropadas. Será esse o limite do sandboard? “Limite? Essa palavra não deve nem ser usada por um atleta. Devemos fazer até o que parece ser impossível.”