Das antigas
O dia em que Tony Hawk se aventurou pela primeira vez em São Paulo
Resumindo em poucas linhas, a Bones Brigade foi a equipe de skate mais foda de todos os tempos. Não se liga tanto em skate mas gosta de surf? Então imagine uma equipe mais ou menos assim: Shane Dorian, Mark Occhilupo, Rob Machado, Kelly Slater, Tom Curren e Tom Carrol . Tá bom pra você?
Então, a Bones Brigade foi a equipe que revolucionou o skate em absolutamente todos aspectos na década de 80. Contava com os principais skatistas ícones das diferentes modalidades em vigor na época: Tony Hawk (dispensa apresentações), Rodney Mullen (o major nome do freestyle em todos os tempos e precursor do street skate como conhecemos), Mike Mc Gill (autor do McTwist 540o, a manobra mais emblemática do skate vertical - bowl e half-pipe), Lance Mountain (um mestre do estilo e da fluidez), Steve Caballero (na minha opinião, o pai de todos, inventor de manobras que transcederam o próprio skate e foram parar no snowboarding) e Tommy Guerrero (um genuíno artista das ruas que marcou época no street skate).
Se hoje a Bones Brigade Team conta com um documentário exclusivo, mais de 100.000 fãs e uma série de ítens a disposição dos consumidores em sua página oficial, deve em grande parte ao trabalho desenvolvido pelo mestre Stacy Peralta.
Stacy, um Z-Boy original, é o cara que sempre esteve na hora e lugar certos.
Ajudou a conceber o skate em transições e participou ativamente da crew dos Z-Boyz. Foi um dos mais bem-sucedidos empresários de skate na década de 80 através da marca Powell-Peralta, fundada em sociedade com Geoge Powell e responsável pela criação da equipe Bones Brigade.
Se não fosse o bastante, ainda se reinventou no cinema contando todas essas histórias através dos premiados documentários ‘Dog Town and Z-Boyz’ e, mais recentemente, ‘Bones Brigade, An Autobiography’.
Voltando pros Bones Brigade. O fato é que esses caras param as atenções onde quer que seja, desde aquela época até os dias de hoje.
Dropando a onda vintage da última edição da TRIP - que aliás estampa o Tom Carroll na capa - recapitulamos uma história real dos bastidores de um evento que entrou para os anais do esporte no Brasil.
Se um simples movimento de Steve Caballero ou Tony Hawk ainda faz tanto barulho, imagina em 1988, época do Sea Clube Overall Skate Show? O skate bombava forte e caminhava a passos largos rumo a profissionalização, contava com duas revistas especializadas e um batalhão de skatistas nas ruas e nas pistas ávidos por ídolos e novidades. Importante lembrar que a internet não havia sido nem fecundada nessa época, logo um peixe do peso de Hawk, no auge da carreira, valia oito vezes o preço de hoje.
Dispostos a revolucionar, o pessoal da revista Overall bancou junto com a extinta marca Sea Club - do grupo Alpargatas- a vinda de dois desses mitos da Bones Brigade pro Brasil. Desembarcaram aqui Tony Hawk e Lance Mountain, com shows marcados para dois dias de Abril, sábado e domingo, no também extinto e saudoso Projeto SP da Rua Caio Prado, na capital paulista.
Puta frisson. Mídia em cima. Saiu em capa de revista, de jornal, no rádio e outdoor. Chegaram com status de pop-star de primeira grandeza. Naipe de Neymar e Beyoncé.
Produção caprichada, tudo preparado, milhares de ingressos vendidos e a banda Inocentes, também no auge, a postos pra amplificar.
Em cima da hora uma ingrata surpresa. Hawk, que havia trazido prancha e tava mais afim de surfar, caiu desfalecido vomitando verde algumas horas antes do 1o dia da sua apresentação. O médico oficial de plantão, Dr Oskar Metsavaht, hoje à frente da grife carioca mundialmente famosa Osklen, o direcionou para um especialista. A coisa estava feia.
Reviramos os arquivos e chegamos em Annibal Neto, o fotógrafo e colaborador internacional responsável por receber os gringos durante o evento. Segundo ele, Hawk que estava hospedado no tradicional hotel Brasilian Palace, localizado no centro da cidade, foi deixado ‘solto’ por algumas poucas horas naquela fatídica quinta feira, 07 de Abril, que antecedia o primeiro dia oficial, para que ele pudesse ir até sua casa se recompor com um banho rápido e demais providências.
Nesse curto intervalo, o jovem Anthony Frank Hawk resolveu se aventurar numa investida gastronômica pelo centro da cidade em busca de novidades. E lá foi ele, tomando contato com comidas típicas de rua: churrasquinho grego, sanduíche de pernil, coxinha, esfiha, cachorro-quente e outras especiarias, como se não houvesse amanhã.
O bicho literalmente pegou e o resultado foi traduzido em jatos de vômito verde, alguns quilos a menos e a completa impossibilidade de se apresentar no primeiro dia do maior evento da história do skate até então.
E o que fazer nessa hora? Em que boa parte da plateia ali a postos vislumbrava naquele momento o ápice de suas existências?
Paulo Lima, organizador do evento e publisher da Overall, tomou duas providências fundamentais. Chamou Hawk, mesmo tendo atingido os tons de pele verde e branco e quase desmaiando, para ficar a disposição e mostrar a cara em cima do palco. Chamou o Clemente (vocalista dos Inocentes) de canto e deu a real. Passou um briefing dizendo que mostraria Hawk em cima do palco pra não ser apedrejado e daria o infeliz recado, assim que proferisse a palavra ‘’São Paulo’’, a banda deveria entrar rasgando e com o som no talo.
Em seu pronunciamento, Lima, após breve preâmbulo informando as condições de saúde do protagonista e acenando com a possibilidade de devolução da grana dos ingressos - antes mesmo que a platéia ensaiasse vaias - finalizou com a frase mágica: ‘’E agora com vocês, Lance Mountain e os melhores skatistas do brasil, ao vivo em São Paulo’’!”.
Foi a senha para os Inocentes entrarem no último volume dando pouca ou nenhuma chance a qualquer reação antagônica.
No final, o show de skate predominou, Lance Mountain andou por ele, por Hawk e por quem mais existisse, deixou o half-pipe pequeno. E os skatistas brasileiros, que já mostravam os dentes naquela época, também deram conta do recado e arrebentaram.
Talvez uma media dúzia, não muito além disso, se dirigiu as bilheterias afim de ressarcimento. A esmagadora maioria foi embora de sorriso na cara.
No dia seguinte Hawk finalmente se recuperou e as apresentações de Domingo e segunda-feira (bônus) foram um grande sucesso.
A Overall (revista de skate produzida pela TRIP na década de 80) deixou saudades. Extinta no ano seguinte, com uma ajuda do plano Collor, foi lembrada com pompa e circunstância na ocasião da cerimônia de entrega da última edição do prêmio TRIP Transformadores, pelo homenageado Sandro Testinha, reconhecido pelo trabalho de reinserção social com o skate a frente da fundação CASA, antiga Febem.
Testinha, carismático e inteligente, durante seu discurso de agradecimento sacou no palco uma antiga edição da revista apontando-a como referência fundamental para ter chegado até ali.
Mundo pequeno esse. E assunto para uma próxima, sem regojizo.