Dá um Google nele

Mario Queiroz ajuda a projetar um futuro em que um gadget nos dirá praticamente tudo

por Bruno Torturra Nogueira em

Você não sabe quem é Mario Queiroz? É só procurar no Google. Mais exatamente no prédio 4, ao lado da quadra de vôlei de areia, antes do esqueleto de dinossauro coberto por flamingos de borracha, no número 1.600 da Amphiteather Avenue em Mountain View na Califórnia - o endereço do maior serviço de busca do mundo. O Google em si. Todo dia útil ele está por ali, garantindo que a empresa siga firme no topo desse metafísico negócio de varrer a internet em microssegundos para lhe responder virtualmente qualquer pergunta. Como, por exemplo, "quem é Mario Queiroz?".

 

Em cache: o brasileiro de 44 anos, pai de duas filhas, residente em Los Gatos, formou-se em Stanford, no Vale do Silício, em engenharia elétrica. Trabalhou na Hewlett-Packard por 16 anos e, há cinco, é vice-presidente de product management do Google. Ou seja, comanda o desenvolvimento de produtos da empresa. Acontece que um produto do Google não é exatamente algo tangível ou com um preço na etiqueta. É mais um leque de possibilidades na rede, em constante mutação, trabalhadas ao redor do mundo por centenas de programadores e engenheiros de tecnologia que arranjam invisíveis algoritmos, as sequências matemáticas que, em milissegundos, podem vasculhar a superfície de Marte (no recente Google Mars) ou dizer a você qual o melhor caminho que liga o Pari à Água Branca.

O FUTURO NO BOLSO

O Google, buscador, é um produto. Gmail, Google Earth, Orkut... são itens nessa mesma prateleira. E é com esse cefalopódico universo de informação e modos de coordená-la que Mario lida. Mas, mais importante, ele precisa lidar com os ainda mais cefalopódicos, intangíveis e metafísicos produtos que não existem. Com os produtos que vão definir o Google - e muito da internet - no futuro próximo. E, para isso, os oniscientes olhos do Google estão no seu bolso. Ou melhor, no celular dentro do seu bolso.

 

"A internet móvel está crescendo oito vezes mais rápido do que a internet convencional", ele começa, "e isso é um fenômeno muito maior do que simplesmente colocar a internet no telefone. O fato de você andar conectado permite muitas outras possibilidades. E é nisso que estamos trabalhando agora." Exemplo? Queiroz tira do bolso seu celular e aponta a câmera para o código de barra de um suquinho que toma. Não demora 3 seg e chega uma descrição detalhada do produto, calorias inclusas, e quais mercados nos arredores têm o melhor preço para o suco. O tal aplicativo já existe e está na mão de muita gente que adotou o Android, o sistema que o Google desenvolveu para smartphones. Não é novidade que o futuro da rede é móvel. Mas o que isso vai significar em nossas vidas ainda é uma incógnita.

Da mesma forma que há pouco mais de 15 anos ninguém contava com a possibilidade de espiar a topografia marciana em uma tela de telefone celular, é muito difícil saber o que nos espera quando todos estiverem conectados 24 horas por dia, em qualquer lugar. Mas é claro que Mario tem um palpite: "Cada vez mais o telefone vai ter olho, ouvido, a gente vai saber onde você está, inclusive em que andar do prédio. Os telefones vão ser cada vez mais inteligentes. E, quanto mais você usar, mais nós saberemos do que você gosta, aonde você vai... e a partir disso você vai ter sugestões muito mais corretas de acordo com quem você é", ele prevê.

Reconhecimento de voz e tradução automática de conversas ao telefone vão poupar muita gente de escrever ou aprimorar um idioma. Bipes em seu telefone vão te sugerir um restaurante sem que você "dê o Google". Mapas e GPS vão mostrar onde cada amigo seu está. Um mundo novo de menos esforço e mais informação... que Mario Queiroz enxerga assim: "A vida vai ser muito mais rica e interessante sem você ter que buscar tudo e descobrir tudo".

BIG BROTHER SORRIDENTE

Todo esse fluxo de dados e a presença cada vez mais full time das pessoas na rede atingiram um pico estarrecedor há cerca de dois meses, quando o CEO do Google, Eric Schmidt, anunciou que a cada dois dias a humanidade produz tanta informação quanto a que foi produzida em toda a história até 2003. E em um futuro nada distante os tais dois dias vão se tornar horas, minutos... Uma torrente que passa pelos prédios em torno do jardim onde esse brasileiro dá a entrevista.

"A vida vai ser muito mais rica e interessante sem você ter que buscar tudo e descobrir tudo"

É hora do almoço, e a maioria dos funcionários na sede do Google está se esparramando pelos jardins. Minibicicletas multicoloridas acumulam-se pelos cantos, cortesia da empresa para a locomoção interna. Gigantes donuts e hot dogs e bolinhos de plástico na entrada dos prédios. Um refeitório cheio de restaurantes étnicos, todos grátis, formam uma barulhenta praça de alimentação onde, no momento, toca "Billy Jean" nos falantes. Um clima intencional de campus criado para manter felizes, e devotados, funcionários. "Para gente inteligente e ambiciosa você não precisa dar muitas regras. Eles sabem o que precisa ser feito e sabem qual o melhor jeito de fazer", Mario explica entre um extremamente jovem quadro de funcionários.

 

Uma cena curiosa, mas um pouco perturbadora para o repórter quando pensa sobre o potencial do Google em um futuro próximo. Saber onde estamos a cada minuto, o que queremos, do que gostamos, do que ainda nem sabemos que gostamos? Uma tela de bolso capaz de ver, ouvir, falar e nos dar ideias? Uma visão orwelliana bizarra, em que o Big Brother é tudo, menos sombrio. Na qual o cidadão faz fila para comprar sua teletela e os agentes por trás do grande irmão são jovens liberais de bermudas em minibicicletas. Em que o escrutínio tem mais a ver com consumo do que com vigilância. Daí a pergunta: esse tipo de monitoramento não pode ser uma ameaça muito grande à privacidade das pessoas?

 

"A nossa intenção é dar um valor adicional ao consumidor e oferecer informação que seja relevante ao usuário", desbaratina Mario, "e a gente não vai ter sucesso se isso não significar benefício para o usuário." Mas ele mesmo reconhece que nem só de celulares de QI alto será feito o futuro. "Vai haver um momento em que a tecnologia vai culminar com crises ambientais. Penso muito nisso, até porque tenho filhas pequenas. E sei que sem dúvida não estamos tomando as ações necessárias para mudar o rumo das coisas", diz sem ver contradição com os anúncios e as sugestões de consumo que chegaram cada vez mais fortes com o avanço da rede.

Mario Queiroz, o tímido brasileiro por trás de algoritmos e aplicativos do futuro, agora se prepara para coordenar a promissora Google TV, e novas extensões para o Youtube. Mas se contém ao falar sobre o que anda preparando para logo mais. "Não posso, por contrato, revelar nossos próximos passos." Mas sabe que a revolução ainda está por vir: "Ainda estamos engatinhando na era da informação em rede", diz cercado pelos coloridos enfeites, quase infantis, do campus do Google. E é de seu chefe, o CEO Eric Schmidt, o vaticínio sobre os anos vindouros. "Passo meus dias pensando que as pessoas não estão prontas para a revolução que vai acontecer logo mais."

 

Crédito: Arquivo Pessoal
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