D. Pedro I e Pereio
Na ausência de um Pedro Américo, difícil encontrar algo melhor que Pereio de costas, derrière à mostra, saindo do vestido de paetês
Liberdade. Os livros de história estão coalhados de imagens que tentam traduzir essa idéia solta, “que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”.
Quase sempre a coisa descamba para o ufanismo. Cacoete de ex-colônia, por aqui se confunde liberdade com independência. Ensinam assim nos colégios. Para ficar nas apostilas escolares:
D. Pedro I aparece de espada em punho, em meio a seus soldados, montado num cavalo que tem as patas dianteiras juntas, como se estivesse perfilado em posição de sentido.
Tiradentes costuma ser retratado já no bico do corvo. Veste a túnica branca dos condenados à morte e mais nada, fora a barba cheia e a corda dos enforcados em torno do pescoço.
José Bonifácio pelo menos está em trajes civis. Mas seu paletó tem um quê de armadura, impecável com a gravata-borboleta e os cabelos cuidadosamente repartidos ao meio.
D. Pedro I, Tiradentes, José Bonifácio. Imperador, mártir e ministro. Bastiões da tal liberdade, liberdade, que abre as asas sobre nós no “Hino da República”. Rigor, sacrifício, entrega.
Mas liberdade não pode ser só isso. Sobe som, e eis que surgem os tamborins, vem emoção, a bateria vem no pique da canção – como no antológico Carnaval da Imperatriz Leopoldinense, em 1989.
Demorou 100 anos para o hino virar sambão, e aí se tornar nacional de fato. E ainda falta uma imagem capaz de resumir essa liberdade, vamos dizer assim, mais carnavalesca.
Modesta sugestão à iconografia nacional: está lançado Paulo César Pereio como símbolo da liberdade. Chega de heróis da independência, barões assinalados e guerreiros da nação. Em teu seio, ó liberdade, quem se refestela é o ator gaúcho.
Que faz as vezes de locutor, também. A voz em off mais ouvida por aí é a voz do Brasil em toda sua contradição. Ora grave e séria, nos intervalos comerciais, ora melosa e sacana, no pornolirismo do cinema nacional.
Agora é só escolher a foto das cartilhas. Na ausência de um Pedro Américo, difícil encontrar algo melhor que Pereio de costas, derrière à mostra, saindo do vestido de paetês em raios fúlgidos.
O retrato perfeito do homem livre, leve e solto. Da pessoa que foi expulsa de uma suruba por mau comportamento. Do cara que tem um mictório em sua cobertura. Da figura que viveu dez anos sem documentos. Da liberdade, enfim.
Fernando Luna, diretor editorial
P.S. No próximo mês, você conhecerá os indicados ao Prêmio Trip Transformadores 2008. Mas confira já nesta edição os novos enfoques para as 12 categorias.