Cultura descentralizada
Agenda da Periferia tenta integrar os rincões de São Paulo através de um guia de cultura
Os guia dos principais jornais e revistas das grandes cidades brasileiras e São Paulo trazem diversas opções de lazer todas as sextas-feiras. Por (quase) todas as zonas da cidade, os encartes enumeram e avaliam restaurantes, baladas, filmes, bares e o que mais houver de interessante acontecendo. Aos olhos dos guias de cultura os eventos estão quase todos concentrados no centro e seus arredores. Mas no M'Boi Mirim não há uma só sala de cinema. Nenhum teatro. Nada de biblioteca pública. O Guia da Folha, por exemplo não relaciona o bairro na sua listagem de eventos culturais. Mas isso não siginifica que nada esteja acontecendo ali.
Percebendo que haviam partes da cidade sendo deixadas de lado pelas agendas culturais, a ONG Ação Educativa resolveu publicar, no formato de guia, a Agenda da Periferia. Desde maio de 2006, cerca de oitenta eventos em bairros como Capão Redondo, Pirituba, Real Parque, Ermelino Matarazzo e cidades da área metropolitana são listados com seus preços, endereços e telefones para contato. Só não entram mais rodas de samba, shows de rap e encontros literários "por falta de espaço" nas atuais dezesseis páginas disponíveis, conta o coordenador Eleilson Leite, historiador de formação. O que fica de fora da edição impressa vai para o site, que existe desde abril de 2008, onde o número de eventos chega aos 100 por mês.
São 10 mil exemplares distribuídos mensalmente em 114 pontos da Grande São Paulo, incluindo 17 unidades da Fundação Casa. Não há muita lógica na logística: algumas pessoas passam na sede da Ação Educativa para pegar lotes e os distribuem nos bairros, outros deixam nos bares, casas de cultura e pontos de encontro, uma "distribuição miltante", define Eleilson. O fluxo é tão incerto que fez chegar uma carta vinda do presídio de Pirajuí, no interior de São Paulo. Tratava-se de um detento, "provavelmente transferido", que tinha em mãos a Agenda e escreveu: "Gostaria, se possível, está recebendo (sic) um guia cultural da periferia. Eu gostaria de ficar sabendo como anda nossa cultura brasileira". Ele deixou o endereço completo, com número da cela e tudo. Um dos destaques do mês de outubro deste ano, a nota "Onde os Fracos Não Têm Vez" não se refere ao filme dos irmãos Coen, mas ao Hip Hop DJ 2009, uma batalha de DJs que acontece às quartas-feiras na Galeria Olido. Quando é necessário, a Agenda manda um fotógrafo para fazer o registro, mas os organizadores são incentivados a tirar suas fotos para usar como imagem de divulgação. As seis seções fixas dão uma idéia da diferença entre os guias "normais" e a Agenda; "Hip-Hop", "Samba", "Cinema e Vídeo", "Literatura", "Outras Cenas". As capas não exibem mostram festivais com nome de marcas, mas o "rock solidário" da Casa de Cultura de Santo Amaro (fevereiro de 2009); ao invés da Bienal dos Livros, a Mostra Cultural da Cooperifa (outubro de 2009).
"Uma das coisas que mais me anima é quando alguém que mora na região central, que pode usufruir da vasta oferta de equipamento culturais, vão ver algo na periferia", diz o coordenador da Agenda da Periferia. Porém, "esse movimento é menos comum", apesar de a São Paulo Turismo (empresa que promove o turismo em São Paulo) ter solicitado exemplares para distribuir nos Centros de Informação ao Turismo espalhados por São Paulo, incluindo a avenida Paulista e o Aeroporto de Guarulhos. Comum é a periferia invadir o centro, nos eventos que o Guia enumera na seção "A Periferia no Centro".
Já no primeiro número da Agenda a iniciativa se mostrou eficaz. Numa roda de samba no Jardim Marília (entre Itaquera e Aricanduva), uma pessoa chegou com um exemplar nas mãos dizendo que morava num bairro vizinho e ficou sabendo do encontro por causa do guia. Eleíson diz que "a idéia é ampliar a noção de cidade" porque "a periferia ficou muito segregada". Aparentemente, a segregação ocorre tanto no sentido centro-bairro, quanto no bairro-bairro.