Craque, só que não
Quando estudei nos EUA, todos os dias recebia convite para jogar futebol
Quando estudei nos EUA às vesperas da Copa de 2002, todos os dias recebia convite pra jogar futebol. Afinal, meu nome é Ronaldo, sou Brasileiro e Harvard está longe de ser um oásis para boleiros
Quando morei nos EUA para estudar pela primeira vez, em 2001, véspera da Copa de 2002, meus colegas de faculdade não me deixavam em paz por causa do futebol. Como meu nome é Ronaldo, sou brasileiro e Harvard não é exatamente um oásis para boleiros, todos os dias recebia algum convite para jogar e até para me integrar a algum time da universidade. Afinal, com essas credenciais, eu deveria ser um craque. Polidamente, recusava os convites, sabendo das minhas óbvias limitações futebolísticas. No entanto, a percepção geral é de que eu estava escondendo minhas reais habilidades, sendo “humilde”. Com isso, os convites ficaram cada vez mais insistentes, a ponto de se tornarem insuportáveis.
Depois de alguma reflexão, cheguei à conclusão de que só tinha um jeito de dar cabo ao assédio: aceitar jogar e mostrar na prática que é possível ser brasileiro em tempos de Copa do Mundo, se chamar Ronaldo e não saber jogar futebol. E assim fiz. Em uma bela quinta-feira à tarde, rumei para o Soldiers Field Soccer Stadium (isso mesmo, um estádio) para me integrar à seleção multinacional de jogadores que compunha a nata da universidade. Minha posição em campo: atacante, camisa 9.
TOUCHÉ
Vou poupar o leitor dos detalhes mais gráficos da partida. Mas o fato é que a estratégia deu certo. Após aqueles dois tempos épicos de 45 minutos em que representei a camisa 9 da seleção harvardiana, ninguém nunca mais me chamou para jogar futebol. Com isso, minha vida esportiva na universidade alcançou finalmente a liberdade. Algumas semanas depois, tomei coragem e passei a oferecer um programa para ensinar os colegas a praticarem outra atividade esportiva na qual realmente tenho algo a contribuir: a esgrima. Não só o curso teve grande procura de alunos de diferentes nacionalidades, como vários dos boleiros com quem dividi o gigantesco Soldiers Field naquela fatídica partida se tornaram meus alunos. Não perdiam nenhuma das duas aulas semanais que ofereci por quatro meses para quem quisesse se iniciar na esgrima esportiva.
Com essa experiência, minha sensação pessoal foi de vitória. Mesmo hoje, anos depois, continuo achando que não é fácil não se relacionar de perto com o futebol. De qualquer forma, acredito que ajudei muita gente – alguns, ouso dizer, integrantes da elite intelectual planetária – a superar estereótipos sobre o Brasil e sobre o que significa ser brasileiro.
*Ronaldo Lemos, 37, é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu Twitter é @lemos_ronaldo