Crack e seu estigma mortal

Se continuarmos a pensar que usuários estão fadados à morte, para que tratá-los?

por Luiz Alberto Mendes em


Crack, doença social?

Construiu-se uma aura tão aterrorizante em torno do crack que os usuários, vítimas no processo, restaram estigmatizados. O homem é pródigo em criar preconceitos. “Nóia” é nome do mais novo preconceito humano.

Para todos, crack é uma droga avassaladora. Mata muito rapidamente. No Fantástico deu-se até números: a droga matava em 2 anos de uso. Queima os neurônios, inviabiliza para sempre. O “nóia” não permitia esperanças de recuperação. Esse estigma desmotivava até os profissionais da saúde em apoiá-los.

Era o marketing atacando novamente. Por um lado, afastava muita gente da droga. Por outro, marginalizava os usuários. Quase igual ao caso da AIDS. Quando a doença apareceu, ai meu Deus que horror! De chegar perto podia pegar. Respirar o mesmo ar, havia quem afirmasse, pegava. Até os pernilongos podiam nos transmitir a síndrome. E quem pegasse a doença morria logo em seguida. Não sem antes contaminar meio mundo sem saber.

Primeiro pegava só com homossexuais. Em seguida criaram o tal “grupo de risco”. Como pessoa aprisionada na época, eu estava incluído. Os “formadores de opinião” chutavam que 80% dos presos estavam contaminados. Era quase o apocalipse. A doença dizimaria a humanidade...

E olha ai, ficou que é uma doença de fato sem cura (em que pese algumas ocorridas...), mas não mais absolutamente mortal. Tenho um casal de amigos que sobrevivem ao vírus e em grande estilo, há cerca de 20 anos. Acho que todo mundo conhece alguém que toma o coquetel antiviral e sobrevive bem. O estigma foi rompido e se pode unir esforços para socorrer as vítimas.

Pesquisa da UNIFESP que acompanhou 107 dependentes de crack por 12 anos tenta quebrar o estigma que mais uma vez, penaliza a vítima. 40% dos usuários, até o fim da pesquisa, haviam parado de consumir a droga. 25% morreram. Desses 25%, 30% morreram assassinados. É a droga com o índice mais alto de provocar violência.

Cerca de 12% daquele 107 “nóias” foram presos. E, ao longo da pesquisa, apenas 20% continuou dependente. Mas, mesmo estes, metade esta empregada. Adaptaram-se ao contexto do uso da droga e desenvolveram estratégias para diminuir os riscos.

O crack, com certeza, tem cura. A pesquisa prova. Conheço muita gente aqui no bairro que usou crack, que virou “nóia” mesmo de vender tudo e roubar a mãe. Hoje estão apaziguados e vivendo normalmente como todos nós. É urgente aprendamos essa verdade, como já assimilamos aquelas acerca da AIDS, para que possamos socorrer as vítimas.

Há saídas, mas elas passam pelo fim do estigma e pela mudança do ângulo de visão. “Nóia” vem de neuroses que é uma doença. Culpar para que? Se resolvesse...

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Luiz Mendes

16/02/2011.

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