Courbet e eu
O fotógrafo J. R. Duran conta como foi que sucumbiu ao úmido universo da xoxota
O fotógrafo J. R. Duran, arquivo vivo da xoxota pátria, conta como foi que sucumbiu ao úmido universo que tão bem explorou em seus cliques
Descobri a origem do mundo faz tempo. Em 1996, para ser mais exato. Foi nesse ano que o falecido Helmut Newton, um dos meus – poucos – mestres fez um selfie (originalmente chamado de autorretrato) em frente à tela de Courbet.
O título da foto é Courbet e eu. Na imagem, em preto e branco, genial (isso sim que é um selfie, rapazes!), o fotógrafo aparece em primeiro plano, meio desfocado, e o quadro, com os pelos púbicos tornados públicos, ocupa a maior parte da foto. No primeiro momento achei que a tela pertencesse a uma das pensões de Berlim que Newton costumava usar como cenário para suas fotos. A tela, porém, era – é ainda – parte do Museu do Quai d’Orsay. Não poderia ser folhinha de calendário. Fiquei intrigado e decidi investigar: na primeira viagem a Paris lá estava eu na fila, antes de as portas do museu se abrirem, aguentando o vento gelado do inverno. Em poucos minutos um mundo de possibilidades e significados se descortinou perante meus olhos, a partir de duas vertentes complementares.
De um lado, o pintor, Gustave Courbet. Um artista comprometido com seu tempo, que deixou de lado o academicismo da época e, em imensas telas, pintou a realidade que o cercava, além de se envolver politicamente com os movimentos contraditórios da época, na França. A tela em si, A origem do mundo, é pequena. A menor da pinturas que fez. E, para minha surpresa, pintada por encomenda. Um diplomata turco queria alguma coisa eroticamente carregada para a coleção de seu palácio. Courbet não se fez de rogado, na melhor escola “dinheiro na mão, calcinha no chão”. A tela passou por vários donos, ficou sumida por muitos anos até que apareceu na sala de estar do psicanalista Jacques Lacan. O curioso é que Lacan escondia a Origem do mundo atrás de uma outra tela, e só mostrava os pelos da mulher da tela para quem bem entendesse.
Do outro lado (ou melhor, entre a tela e eu), Helmut Newton. Mestre do erotismo, da ironia e do fino humor que conseguiu fazer um autorretrato em que vários universos se cruzavam; a fotografia capturando a sexualidade da pintura, como forma de aproximação e observação pública de um universo pouco exposto, e a assinatura de Newton de que tudo gira em torno do sexo. Tudo junto e misturado, e uma aula de selfi e para ninguém botar defeito. Posso falar? Do fundo do coração? Sinto saudades de Newton. E dos pelos púbicos.
Veja a foto de Helmut Newton aqui