Contra o lobby da fumaça
Youssef: "Em NY são mais de 400 km de ciclovias. Bicicleta furou os lobbies da cidade?"
São mais de 400km de ciclovias construídas em NY em menos de quatro anos. Como nesse país, onde os interesses econômicos falam tão alto, a bicicleta furou os lobbies na cidade?
Os EUA são um país ditado pela força da grana. Epicentro do capitalismo, da crença no individualismo, o país tem enraizada em suas estruturas políticas a influência econômica. Nas eleições não existe horário eleitoral no rádio e TV e os candidatos têm que pagar para aparecer. São comuns figuras que arrecadam verbas para as campanhas, o lobby é legalizado, e fica explícito o interesse empresarial na decisão pública. Quem conhece Washington sabe que uma das profissões mais vibrantes e influentes é justamente a do lobista. É só assistir aos debates diários na CNN para ver um deles sempre defendendo alguma causa ou posição do Congresso.
Quando pensamos em investimento público em uma causa, sempre temos que calcular o quanto o lobby desse ou daquele setor vai atuar para impedir tais investimentos. Quando o interesse é de um grupo pouco articulado economicamente, então, fica mais evidente o poder da grana.
Vamos pegar como exemplo o caso das bicicletas e imaginar na sociedade americana os grupos contrários à construção de ciclovias. A indústria automobilística, o setor petrolífero, empreiteiras, máfia dos taxistas etc. Todos, em teoria, grandes adversários da causa.
Pois bem. Em maio estive em Nova York e um belo dia resolvi alugar uma bicicleta para passear pela cidade. Fiquei perplexo com a estrutura e comodidade. Peguei a bike em Gramercy Park, cruzei o lado oeste da ilha, passando por West Village e Chelsea, e cheguei ao paraíso dos ciclistas: a megaciclovia construída recentemente e que contorna Manhattan beirando parte do Riverside Park. Empolguei. Voltei por dentro da cidade, pelo Central Park. O caminho é maravilhoso. Na saída do parque, desemboquei direto na 5ª Avenida. Mantive a bike na área sinalizada, peguei uma travessa e fui até a 2ª Avenida, onde foi construída uma faixa exclusiva. Pedalei até por volta da 18ª e cheguei de volta ao Gramercy Park onde tinha alugado a magrela.
Para quem não conhece, esse passeio é bem grande. Passei por muitos pontos importantes da cidade e nem sequer percorri um décimo das ciclovias. São mais de 400km de ciclovias construídas em menos de quatro anos. A pergunta que fica é óbvia: como nesse país, onde os interesses econômicos falam tão alto, a causa da bicicleta furou os lobbies e fincou bandeira na cidade mais movimentada do mundo?
Menos espaço pra carros
Na maioria esmagadora das cidades do Brasil não existe o coeficiente de qualidade de vida no planejamento público. Não dá pra imaginar quanto um grande investimento em ciclovias de verdade – daquelas que pegam parte do espaço do carro mesmo, e de forma permanente – pode impactar na saúde, na circulação, na alegria e no bem-estar. Aqui, leva-se muito a sério o tal “american way of life”, onde todos confundem viver com trabalhar. Curioso é que nem lá, no coração dos EUA, essa visão se mantém. Outra explicação é que o esquema político no Brasil é tão arcaico que não existe brecha para que grupos minoritários sejam contemplados. Vivemos a era da decisão unilateral, sem possibilidade de diálogo com o grande negócio, coisa que também se mostra ultrapassada se olharmos para os países mais desenvolvidos.
Precisamos de leveza na ação política para entender que o lazer, a diversão e o sorriso são também importantes. A bicicleta é, sem dúvida, o melhor caminho para começarmos a mudar essa mentalidade tacanha que nos detona tanto todos os dias.
Por um plano nacional de ciclovias nos centros urbanos do país!
* ALÊ YOUSSEF, 36, é sócio do Studio SP e um dos fundadores do site Overmundo. Foi coordenador de Juventude da prefeitura de SP (2001-04). Seu e-mail é ayoussef@trip.com.br. Seu Twitter é @aleyoussef