Consumismo; vício ou doença social?

por Luiz Alberto Mendes em

Consumismo:  Doença  Social

Ficava puto da vida quando alguém usava o termo “prisão” para explicar suas dificuldades aqui de fora. Perguntava sempre, agressivo (era um desacato à minha condição de homem aprisionado), se queria trocar de lugar comigo. Adoraria viver as merdas das dificuldades deles só para estar aqui fora! É parecido com esses realitys shows tipo “No Limite” e o BBB.

Já vivi momentos na Penitenciária II de Presidente Venceslau em que chegamos a comentar que aquilo sim era no limite, referindo-nos ao programa televisivo. Calor de mais de 42º e aumentando e nós trancados dentro daqueles cubículos reduzidos. Caso encostasse a pele na porta de ferro, avermelhava e queimava na hora. Acabava de tomar banho e já estava pingando de suor. Só depois das 22 horas amenizava e se dormia desesperadamente.

Vivi momentos de convivência em conflito que tenho certeza, poucos dos BBBs escapariam ilesos. Trancado em cela 4 X 4 metros com mais de 50 homens, e por tempo demais; ou trancado em uma cela forte individual, isolado por 1 ano. É só escolher. Vivenciei verdadeiras guerras medievais. Homens em bandos com espadas e facas primitivas e improvisadas a partir de qualquer pedaço de ferro, lutando contra outros bandos de homens também assim armados. Ou quando a PM entrava dando tiro até na sombra, e a gente sem ter para onde correr.

Vivi 31 anos e 10 meses sob um regime que de tão terrível, a gente tinha que tomar cuidado com cada palavra dita. Cada uma delas poderia ser usada contra nós. O certo podia passar por errado, como aqui fora, só que ali a morte era uma rotina. Debates cujo encerramento era sempre uma sentença de morte ou a destruição moral de alguém (o que equivalia quase à mesma coisa).

Dava para argumentar tudo isso quando alguém usava a nossa triste condição em suas idiossincrasias. Mas, agora, aqui fora, entendo melhor o que essas pessoas diziam ao usarem o termo prisão para ilustrar o que vivem. E não me agride mais. Porque agora percebo que há um doloroso desdobramento da cultura e dos valores que regem nossa sociedade. Quem não tem dinheiro e os sinais sociais disso, não existe pessoal, social e politicamente. Particularmente aqueles que caíram no engodo de se considerarem “classe média” e são, de fato, apenas trabalhadores. Desses que podem perder o emprego a qualquer momento e demorar dois anos para encontrar outro sempre pior. Por conta disso precisam demonstrar para parecer que têm o que não têm e continuar protagonizando a fantasia da classe média social. É quase uma insanidade mental, para ser elegante e não usar a palavra clássica para tais “fenômenos”.

Sempre brilhantes, iluminados e trescalando. Acumulam coisas desnecessárias, ficam pendurados em cartões de crédito, financiamentos bancários, prestações a perder de vista e vivem empenhados em financiadoras ou com agiotas. Tentam uma forma anômala de criar raiz: ter, ou aparentar ter, para ser.

Sim, agora aceito essa má comparação de prisão com o que se passa aqui fora. Não são apenas “dificuldades”, como avaliei a princípio, ingenuamente. Ter para ser é uma construção prisional do pensamento humano. Nós nos enganamos ou perdemos o controle da sociedade que construímos. Salivamos como cães nas vitrines armadas pelo nosso marketing baseado em práticas pavlovianas ou behaviorista. Apropriamo-nos das grandezas da cultura humana para usarmos de suas técnicas, conhecimentos (cores, posicionamentos, luz/sombra, brilhos e palavras -quase mantras- condicionantes, etc.), para fins muito pouco nobres, para dizer o mínimo.

Ninguém vai se satisfazer ou ser feliz desse jeito. Ficaremos todos presos a coisas. Coisas têm futuro breve aos sentidos, daí vamos sempre querer mais e mais até exaurir o planeta. Virou vício, doença, prisão: consumismo.      

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Luiz Mendes

07/06/2010.

 

 

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