Quando conhecemos alguma parcela de nós mesmos, não conseguimos mais exorbitar de nossa capacidade ou condição. Exatamente na medida em que nos assenhoramos de nós, deixamos de representar o que não somos. Aprendemos a saber até que ponto aguentamos pressões, dores, solidões, angústias e todas as dificuldades da existência. Então descobrimos que só podemos ir até certo ponto. Até aquele ponto somos capazes de suportar as consequências. Dali para a frente pode ser até que podemos ir mais longe, mas por nos conhecermos, sabemos que o barco pode virar. Quem não se esforça por conhecer seus limites, perde o senso de proporções, torna-se cego e seu proceder descomedido.
Acho que aprendi a sobreviver, primeiro ao meu pai, depois às ruas; aos reformatórios para menores de idade infratores; e por fim à prisão por mais de 30 anos, baseado nesse conceito. Não ir além do que meus pés alcançavam; saber entrar e saber sair; atenção com as palavras emitidas; cuidados com as pessoas; e conquistar amigos e aliados.
Passei por todas as experiências de tortura possíveis. Pau de arara; pau de esculacho; pau de afogamento; pau de estrada; apanhei por três meses e meio de todos os modos imagináveis. Não sabia como, mas havia suportado e com muita moral. Meus parceiros sucumbiram. Um deles não aguentou e foi buscar o outro parceiro em casa, escondido debaixo das saias da mãe. Depois, não suportando a pressão da prisão se enforcou. Os outros dois enlouqueceram aprisionados. A vida havia me preparado para aquilo desde muito pequeno. Minha mãe dizia que eu nem sofria apanhando; estava calejado de tanto apanhar de meu pai.
Quem, ao contrário, não se conhece nem um pouco, não faz uma reflexão profunda sobre suas próprias capacidades e limites, esta condenado a se superestimar. A prisão esta repleta de pessoas que ficaram "fora de si" e perderam o pé da realidade. Enganaram-se quanto a si mesmos, não mediram a correlação de forças e acabaram metendo os pés pelas mãos.
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