Companheiro de todas as horas

Mendes: "só sobrevivi à prisão por conseguir ter algum prazer, mesmo que solitário"

por Luiz Alberto Mendes em

Uma pessoa íntima me disse que eu só sobrevivi a mais de 30 anos de prisão por conseguir ter algum prazer, mesmo que solitário. Meu pênis me permitia viajar, sair da cadeia

A nossa autonomia enquanto seres humanos é bem limitada. Aguentamos menos de um mês sem nos alimentar. Três ou quatro dias sem água. E no máximo 4 minutos sem respirar. Quanto tempo aguentamos, lúcidos e sãos, sem exercer nossa sexualidade? Alguém já se perguntou?

Desde muito pequeno eu sabia tudo sobre sexo. Claro que apenas o físico e mecânico. E meu sexo sempre foi algo de enorme importância em minha vida. Sempre achei ótimo ter um pênis, por mais que ele trouxesse trabalho e preocupações.

Uma pessoa que me conhece intimamente afirmou que eu só sobrevivi inteiro a 31 anos e dez meses de prisão por conseguir algum prazer, mesmo que solitário. O pênis, assim como os livros, quando eu fechava os olhos, me permitia viajar, sair da prisão. Curti fantasias incríveis, absolutamente loucas e de extrema importância para minha sanidade.

Praticar essas fantasias depois, ao sair da prisão, tem sido um prazer inenarrável. Embora deva confessar que também tem causado muita dor e sofrimento. Um calor insuportável, de deixar sem ar. Uma taquicardia, um sufoco medonho que aperta o peito estreitando a garganta. A busca constante do diferente, mesmo que o “diferente” seja sempre o mesmo. Uma dessas febres tropicais que queimam como a lua incandescente de verão. Nada alivia, e não cessa. A virilha dói, fica difícil até para andar. Aquela pedra, aquela árvore dura que chega a latejar entre as pernas...

Visita íntima
Por muitos anos precisei me masturbar para conseguir dormir e aquele prazer era todo o prazer possível. Conseguimos a visita íntima na prisão somente depois que eu já estava cumprindo metade da pena. Foi uma luta de dez anos. E, mesmo assim, acontecia de vez em quando. Que eu me recorde, estive sempre ansioso, carente e necessitado. Era fonte de agonia e desespero também. Vivi preso e subjugado a essa servidão.

Não havia paz em meu espírito. Uma pressão nascia lá das minhas entranhas e me deixava todo desconcertado. Uma doença que não é uma doença, mas que também não é a cura, como água salgada que jamais sacia. Algo que queima como gastrite; são ardores, suores e uma febre que me deixa trêmulo, perdido.

Quando imagino as angústias, incertezas e inseguranças de que me livrarei no dia em que meu pênis deixar de funcionar, penso que nem vou reclamar muito. Mas questiono se estarei livre, se serei feliz finalmente. O meu medo é de que o tempo não amenize nada.

E aquela ânsia, aquele ímpeto todo, morrerá também? Não é parte de mim que estará me deixando? Será que conseguirei me conformar? Estou com 60 anos e não estou vendo nada disso. Muito pelo contrário. A vontade desesperadora persiste, mesmo que a vitalidade não seja mais a mesma, gerando mais angústia.

Começo a me preocupar seriamente, mas não sei o que fazer. Não me sinto preparado para renunciar a parte alguma de minha vida. Tem sido tão bom e ruim viver com o sangue inundando as paredes cavernosas de meu pênis que nem sei como vou fazer. Devo estar precisando de ajuda e nem estou sabendo...

*Luiz Alberto Mendes, 60, é autor de Memórias de um sobrevivente. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com

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