Hospital e Religião

Hoje fui a uma consulta médica no Hospital das Clínicas. Estou com o vírus da Hepatite C. Usei seringas não-descartáveis há cerca de 30 anos atrás, dando oportunidade para que esse vírus invadisse meu sistema sanguíneo. Besta, não é mesmo? Sei. De que adiantaria ficar me acusando: vai matar o vírus me sentir culpado? Não. Assumo e sigo em frente sem olhar muito para trás.

Ainda mais porque esse vírus já causou grandes prejuízos. Meu fígado esta cirrótico; já destruiu e criou um nódulo cancerígeno que operei há 6 meses atrás. Os médico temem o aparecimento de novos tumores, caso a Hepatite C não seja combatida e extinta. Muitas pessoas (nossa! São muitos mesmos, assusta!) fizeram o tratamento anterior e o vírus retornou. Era sacrificado, quase uma quimioterapia e não transmitia confiança. O novo tratamento vem dos States. Custa cerca de 500 a 600 mil reais. Proibitivo, não é mesmo? Mas o governo brasileiro conseguiu adquirir o tratamento a um preço mais accessível e concede gratuitamente pelo sistema SUS. Hoje fui buscar meus remédios no Hospital e receber as orientações de como proceder o tratamento. Nunca mais vou reclamar dos impostos que pago, dou minha palavra de honra!

As possíveis reações adversas dos remédios (são três) são inúmeras. Eles enumeram somente as mais perceptíveis. Falam até em idealização suicida e depressão. Tosse, febre, tontura, dor de cabeça, congestão nasal, náusea, diarréia, gazes, constipação, perda de apetite, fraqueza, fadiga, falta de ar coceira. vermelhidão, etc.. Nos próximos três meses estarei sujeito a tais males, tomando comprimidos até pelos ouvidos! Fazer o que, não é mesmo? Devo sim agradecer profundamente quem se preocupou em inventar esse remédio. O contrário seria transplantar o fígado, ou adoecer até morrer.

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Mas, o que mais me impressionou no Hospital, foi o povo doente. Meu Deus: como tem gente doente nesse mundo!!! E, ali parado, esperando minha vez de ser chamado, vi desfilar pessoas com as mais diferente espécies de doenças. O que mais me doeu foram as crianças. Algumas em condição tão desesperadora, que era insuportável só de ver. E as pobres mães, ah! quanto sofrimento... As lágrimas inundaram minha cara, fiquei sem movimento, ali, estupidificado por tamanha dor. Estiquei o fio de seda a que se reduz minha fé, e balbuciei algo parecido com uma oração. Pedi, implorei piedade pela aquela gente. A compaixão me engolfou e tudo se transformou como em um flash fotográfico. Não compreendi, mas me senti profundamente aliviado, em paz com a vida, assim de repente. Havia um êxtase, algo sublime, uma dor que de tanto pulsar, encontrara seu caminho.

Fui chamado, pesado e minha pressão arterial foi mensurada. Eu estava gentil, sorrindo para todos, olhando as pessoas, adoecidas ou não, com imenso carinho. Algo de muito bom acontecera e eu nem atinava o que fosse. Estava bem, leve e de bem com o mundo (o que é raro). A médica me apresentou o tratamento, falou sobre as reações adversas aos medicamentos. Os remédios vão provocar (tomei a primeira série pela manhã) aquele monte de pequenos males e não vou poder tomar nenhum remédio para atenuar. Poderia afetar o tratamento. Esse tratamento tem apenas um ano de aplicação. Eles, médicos e cientistas, não sabem tudo o que pode ocorrer com os pacientes. As reações podem diferenciar de pessoa a pessoa. Somos um pouco cobaia.

Sai do consultório e novamente aquela gente, doente como eu, a lotar a entrada do hospital. Todos com pressa, apavorados para entrar. Suas dores são mais importantes que as dores dos outros; pelo menos para eles. Fui obrigado a encostar em um poste e dar passagem ao povo que empurrava e queria entrar a todo custo. A dor os premia e o sofrimento se estampava no vermelho de seus olhos. E aqueles corpos magros, adoecidos, daquela gente tão minha, tanto querida quanto mais sofrida.

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Os hospitais, manicômios, prisões e locais de gente adoecida, deveriam ser as igrejas, os templos e as tendas das pessoas de fé. É ali que a fé pode ser avivada, onde a oração flui espontânea e nossos olhos confessam desejos e esperanças de uma vida além da física. É só ler no Evangelho; as famosas "Casas do Caminho", primeiras casas cristãs, era mais hospitais que cuidava da saúde e da fome do povo que igreja. Um Hospital é o melhor lugar do mundo para se exercer a fé.