Da china, com amor
Um passeio pelas cidades chinesas, nas quais o dinheiro desapareceu, mas as bicicletas e os escritores de ficção científica prosperam
China ultrapassou os EUA em poder computacional acumulado. É o segundo país que mais faz pedidos de registros de patentes no mundo. Mais do que isso, investe em ciência e tecnologia nos mesmos níveis dos países membros da OCDE, o clube dos desenvolvidos. Em um espaço de 30 anos, o gigante asiático deixou de ser uma economia predominantemente rural para se tornar o novo celeiro de inovação do planeta.
Quem visita as grandes cidades do país sai com a impressão de que eles estão uma década à frente do Ocidente no que diz respeito à tecnologia. Primeiro, o dinheiro desapareceu. Todos os pagamentos são feitos por meio do celular. Até mesmo compras de valor irrisório. Pelas ruas de Pequim, notei que moradores em situação de rua carregavam placas com o seu QR Code. Eles perceberam que não adianta mais pedir ajuda em dinheiro, se ninguém carrega notas ou moedas. O mesmo acontece com carregadores de malas nos hotéis, que recebem a gorjeta por meio de um crachá que contém seu código QR. Ou, ainda, com garçons em restaurantes. E mesmo noivos em festas de casamento. Na entrada da celebração, costuma haver duas placas, uma contendo o código para facilitar a doação para o noivo e outra com a mesma informação para a noiva.
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Outra coisa que se nota pelas ruas é que as bicicletas estão espalhadas por toda parte. Elas se tornaram o meio de transporte por excelência para resolver o problema da “última milha”, ou seja, do ponto de parada do transporte público até a casa da pessoa.
Só que o conceito atual de compartilhamento de bicicletas que predomina é o de dockless bikes. Elas não precisam ser colocadas de volta em uma estação específica. Podem ser deixadas em qualquer lugar da cidade, estacionadas nas calçadas. É claro que a empresa dá algumas recomendações sobre como deixar a bike, tal como tentar estacionar próximo de outras bicicletas que já estejam paradas em um lugar. Mas a decisão final é de cada pessoa, que é livre para deixá-la onde quiser. Como cada bicicleta tem um GPS, todas as noites elas são reorganizadas e redistribuídas conforme a demanda.
Inventando o novo
Até mesmo a poluição, um dos principais problemas nessas cidades, está na agenda da ciência para ser eliminada. O próximo ciclo de desenvolvimento chinês prevê a transformação do país em uma economia verde. A energia solar e outras modalidades renováveis serão adotadas cada vez mais. O plano – como quase tudo no país – é ambicioso: pretende despoluir os centros urbanos dentro de cinco anos.
Não bastasse tudo isso, entre as principais conquistas recentes da China está também a capacidade de se tornar uma potência em construção de imaginários. O país passou a escrever a melhor ficção científica do planeta, representada principalmente por Liu Cixin, primeiro chinês a vencer o prêmio Hugo, equivalente ao Nobel na ficção científica. No plano da filosofia, nomes como Yuk Hui vêm construindo uma nova visão sobre as relações entre o homem, o cosmos e a tecnologia. Zhao Tingyang, por sua vez, propõe uma nova moldura para as relações entre países, baseada no conceito de “Tianxia”, um novo tipo de ordem internacional. Além de inventar o novo, o país se interessa, cada vez mais, por pensar o novo.
É claro que os problemas chineses são enormes, inclusive em relação à falta de liberdades individuais e ao sistema político do país. Mas não dá mais para conversar sobre inovação e ciência sem falar do que os chineses estão fazendo.