por André Caramuru Aubert

Sim, a internet é maravilhosa, e a verdade é que eu não saberia como viver sem ela. O que precisamos fazer é tentar trazê-la para o lado bom da força

Faz tempo, numa outra encarnação, fui um dos pioneiros da web aqui no Brasil. Pouco antes de a coisa toda começar, cuidávamos, o fotógrafo Dimitri Lee e eu, de um BBS, o único, naquela época, com interface gráfica. Assim que a porteira da internet foi destravada pelo governo brasileiro, lançamos um dos primeiros provedores de acesso à web. Quase ninguém, naquele tempo, pensava em ganhar dinheiro com internet. Nem mesmo sabíamos como isso seria possível, e os yuppies dos bancos de investimento ainda não tinham chegado e tomado conta de tudo. O que pensávamos é que estávamos na vanguarda de um movimento que mudaria o mundo. E mudaria, de fato, só que... Ah, nós adorávamos conceitos como “comunidade virtual”, “topologia em vez de topografia”, “democratização do acesso ao saber”, “conhecimento disseminado sem cortar árvores para fazer papel”.

Alguns anos mais tarde, fui convidado para ir ao MediaLab, do MIT, a fim de participar da criação de uma fundação, a 2B1, que tinha como missão levar a internet, gratuitamente, para todas as crianças do planeta. Havia lá gente do mundo todo. Uns pensavam em antenas de internet movidas a energia solar, outros projetavam computadores de baixo custo, ou aplicativos de compartilhamento de informação, ou ainda enciclopédias eletrônicas e assim por diante. Os dois líderes da fundação eram Nicholas Negroponte, então o grande guru da tecnologia, e Seymour Papert, o discípulo de Piaget e Paulo Freire e o maior incentivador do uso de ferramentas eletrônicas na educação.

A HISTÓRIA NÃO PARA

Uma revolução tecnodemocrática brotando das entranhas do megacapitalismo? Ora, era dialética demais para ser verdade. A 2B1 não existe mais, mas aquela foi uma experiência inesquecível, a última grande utopia em que acreditei, antes de me tornar a pessoa essencialmente cética que sou hoje. Porque nada aconteceu como imaginávamos. Pensávamos que jornais e revistas seriam distribuídos eletronicamente, não que desapareceriam; que especialistas falariam para mais gente, não que todo mundo se tornaria especialista; jamais cogitaríamos que as redes sociais, as sucessoras dos BBS, virariam ferramentas de disseminação de ódio a partir de informações rasas ou falsas; e nunca passou pela nossa cabeça que os serviços de busca a informações poderiam se transformar em bilionários vendedores de dados pessoais de seus usuários. A ideia era redistribuir conhecimento e riqueza, não concentrar.

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Mas pessimismo não leva a lugar algum. E a vantagem de ter a formação de historiador é que você sabe, mesmo quando tudo parece ter ido pelo cano, que a história não para. Quem fosse um guerrilheiro antinazista em 1944 poderia pensar que o pesadelo jamais passaria, e, no entanto, cicatrizes à parte, passou. A internet é uma ferramenta fantástica e revolucionária, assim como foram, quando criados, a prensa de Gutenberg, a luz elétrica, o telégrafo, o motor a vapor, o rádio, a televisão... recursos que, cada qual em seu tempo e a seu modo, contribuíram para mudar o mundo e, entre mortos e feridos, melhorar a vida de bilhões de pessoas. Sim, a internet é maravilhosa, e a verdade é que eu não saberia como viver sem ela. Nem mesmo sei como a vida era possível antes. Tenho contato imediato com parentes e amigos que moram longe e minhas atividades de pesquisa sobre os mais diversos assuntos ficaram exponencialmente mais fáceis.

O que precisamos fazer com a internet é tentar trazê-la para o lado bom da força. Criticar o que está errado, valorizar o que funciona bem e resgatar as utopias do começo. Vamos voltar a pensar em espalhar sabedoria em vez de nos metermos em bate-bocas sem sentido? Há pouco tempo, o movimento occupy tomou conta de grandes cidades mundo afora. Que tal fazermos um occupy internet?

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