Cine aberto
Um cineasta carioca usa a internet para estrear seu filme e mostra que uma revolução no cinema está para acontecer
“Cinema no computador” não é o nome de nenhuma nova banda de rock que vai tocar no Brasil neste semestre. É sim uma possibilidade que está se tornando concreta, avançando novos caminhos para a distribuição de filmes produzidos por aqui. Graças ao esforço de jovens cineastas, as fronteiras digitais começam a ser exploradas na distribuição de filmes.
No dia 25 de agosto o filme Cafuné, primeiro longa-metragem do premiado cineasta carioca Bruno Viana, estreou nos cinemas do Rio de Janeiro. Nesse mesmo dia, o filme foi colocado na Internet para download. Interessante notar que o filme foi disponibilizado através do sistema chamado BitTorrent, o mesmo acusado de servir exclusivamente para violar direitos autorais. No caso de Cafuné, o filme foi disponibilizado não só pelo esforço do cineasta, mas também em razão do apoio do seu distribuidor, o conhecido Grupo Estação. A ousadia foi ainda maior: o filme foi colocado na rede sob uma licença do Creative Commons. Pela licença, qualquer pessoa está autorizada inclusive a realizar o “remix” do filme, pegando suas imagens e seqüências e criando uma obra inteiramente nova.
E tem mais: ao ser lançado nos cinemas do Rio de Janeiro, dependendo da sala onde o espectador assistisse ao filme, veria um final diferente. O próprio diretor resolve dar o exemplo, mostrando duas possibilidades de desfecho para a mesma obra. A façanha é digna de nota até mesmo internacionalmente. Há pouco tempo, a imprensa global noticiou a estratégia do diretor norte-americano Steven Soderbergh no lançamento do seu último filme, chamado Bubble. Desafiando todas as melhores práticas de Hollywood, cujo modelo de negócios exige que um mesmo filme seja vendido vá- rias vezes (primeiro para os cinemas, depois para pay-per-view, depois para a TV a cabo, locadoras e então para a TV aberta), o diretor resolveu lançá-lo simultaneamente em todos esses mercados. No mesmo dia em que estava disponível para os cinemas, estava também disponível para as TV’s e em DVD. Entretanto, nem o próprio Soderbergh ousou cruzar a fronteira digital: a Internet foi o único mercado em que o filme não foi oficialmente disponibilizado.
Além disso, o lançamento do filme com dois finais é um exercício de linguagem a ser explorado, estando em sintonia com nossa época de customização de massa. Essa iniciativa supera, por exemplo, a do diretor Danny Boyle, que lançou um final diferente para o seu filme Extermínio (28 Days), mas não simultaneamente, apenas tempos depois do lançamento da primeira versão “oficial”. A iniciativa do cineasta carioca soma-se à atitude de toda uma nova geração de documentaristas que já nasceu sem medo da Internet, gente como Pedro Bayeux (Gamer BR) e Laura Faerman (Operação Cavalo de Tróia), que também já experimentam há tempos com licenças do Creative Commons e com a disponibilização integral de seus filmes pela Internet.
A pergunta que fica é: por que não explorar mais ainda as possibilidades de distribuição digital no Brasil, especialmente considerando nossa estrutura de financiamento dos filmes?
Se a produção de filmes no Brasil justifica-se, mesmo sem audiência significativa nos cinemas, pelo objetivo de constituir uma cinematografia nacional permanente, como afirmou Cacá Diegues recentemente em entrevista, então por que não explorar formas de manter essa mesma cinematografia facilmente disponível pela rede?
A sociedade como um todo agradece.
Crédito ilustração: “Paisagem digital”, acrílica sobre tela, in Rasura, de Luiz Zerbini, editora CosacNaify, 2006