Cidades doentes
Luiz Mendes: Envenenamos a cidade ou a cidade nos envenena?
Envenenamos a cidade ou a cidade nos envenena? Acredito em uma simbiose: envenenamos a cidade, a cidade nos envenena e tornamos a envenenar a cidade, produzindo um moto contínuo
Um maluco no metrô joga uma mulher que perde o braço nos trilhos do trem. Torcedores do São Paulo assassinam um torcedor do Santos que estava no ponto do ônibus, quebrando-o com barras de ferro. Um sujeito atropela propositalmente mais de dez pessoas de um bloco de Carnaval porque queria sair com seu carrão. Um adolescente aplica um golpe chamado de “mata leão” em um suspeito de assalto, acabando com sua vida. Um jovem espancado e nu é aprisionado a um poste pelo pescoço com uma trava de bicicleta. Um cinegrafista é morto por um rojão quando cobria a atuação de vândalos em protesto de rua. Um homem é filmado descendo da moto e executando um adolescente com três tiros na frente de todo mundo. Mais de 50 ônibus são incendiados em São Paulo apenas em 2014. Uma moça grávida cai na linha do trem da CPTM, após discussão com seguranças, e o trem bate em sua cabeça…
As cidades estão doentes. As pessoas adoecem contagiadas pela cidade ou as pessoas estão doentes e acabam por adoecer a cidade? Envenenamos a cidade ou a cidade nos envenena? Acredito em uma simbiose: envenenamos a cidade, a cidade nos envenena e tornamos a envenenar a cidade, produzindo um moto contínuo. O veneno paira como uma nuvem de miasmas negativos a nos infelicitar. Os sintomas mais evidentes estão acima, mas também existem a depressão, o tédio, a angústia, a falta de sentido de viver, a tristeza, a violência, as drogas, as radicalizações, a concorrência exacerbada, as tais metas fixas, a obsessão dos patrões por mais lucro, o fanatismo religioso, a falta de educação geral, o desrespeito, a necessidade de ter para ser, a tirania da moda, o trânsito que parece um monstro, o barulho excessivo a nos enervar, o tumulto de gente e carros para todos os lados e a nossa vida tão mal conduzida pela convivência nas cidades.
Insanidade geral
Somos produtos e produtores da insanidade geral que vivemos em nossa sociedade. Nos equilibramos, precariamente, entre escolhas e consequências. Acomodados, não queremos brigar, pois temos outras prioridades e não temos tempo. E essa é a única saída: que as pessoas se interessem de verdade pelas cidades onde criam seus filhos. A vida em grandes comunidades nos é necessária, mas tem sido nociva à estrutura psicológica humana. Somos inteligentes porque temos experiências, ou temos inteligência porque somos experientes? Mudando a posição dos verbos, mudamos a leitura. Creio que a inteligência seja produto desenvolvido na busca pelo conhecimento. E talvez aí esteja nossa única saída desse caos em que nos envolvemos. Precisamos conhecer, saber mais, nos interessar de verdade pelas cidades onde desenrolamos nossa vida. Ter experiências para nos reunirmos com inteligência para tomar os rumos sociais necessários.
Não escolhemos ser quem somos; as circunstâncias que nos criaram não levaram em conta nossa vontade. Mas, do que fizeram de nós, temos feito alguma coisa para ultrapassar? Creio que sim, mas tudo indica que não tem sido suficiente. É preciso mais empenho. Parecemos beligerantes, mas não somos tanto assim. Só parecemos. Caso contrário, há muito tempo estaríamos brigando por uma cidade melhor e já teríamos alguns resultados. Em alguns países, a cultura e a educação obtiveram grandes sucessos. A Suécia, por exemplo, está fechando suas prisões porque não há mais presidiários para colocar nelas. Algumas cidades diminuíram sensivelmente o índice de violência com uma simples mudança de horário dos bares.
Entendo a vida como um esforço contínuo, individual e coletivo, de buscar superar o que foi feito de nós. Autogestão, independência, emancipação e autossuficiência são as metas. Necessitamos que nossa existência seja construída por escolhas nossas; carecemos ser os autores de nossa vida. E vamos nos tornando competentes à medida que caímos e levantamos. A experiência nos levará à sabedoria.
*Luiz Alberto Mendes, 60, é autor de Memórias de um sobrevivente. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com